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SAÚDE
Para ativista contrário ao antitabagismo, governo ignora que opção de fumantes é consciente e visa proibição total
Cruzada antifumo ganha oposição nos EUA
LUCIANA COELHO
DA REDAÇÃO
Duas semanas atrás, a cartunista Marjane Satrapi dedicou sua
coluna no jornal "The New York
Times" a um de seus maiores prazeres: fumar. Sob o título de "Não
quero parar de fumar", ela elencou os riscos do cigarro, interpondo questões como "Eu quero ser
velha por 60 anos e viver até os
130? Não!". Recebeu três vezes
mais correspondência do que
quando comentou o terrorismo,
a condição de Israel ou os tumultos na França. A
maioria absoluta
expressando pena
ou indignação por
ela não se abalar
diante de um horizonte (possível,
mas não certo) de
câncer e outros
males fatais.
A reação a Satrapi -uma mulher
jovem, reconhecidamente talentosa e informada- dá a medida
da cruzada antifumo nos EUA.
Por lá, comerciais de cigarro pedem aos fumantes que abandonem o vício, temperaturas abaixo
de zero encontram grupos a soltar
baforadas do lado de fora de bares
e, dependendo de onde estejam,
nem a rua mais é lugar para tragadas. San Francisco vetou o cigarro
em parques públicos, e o Estado
de Washington, nas ruas se estiver a menos de oito metros de
uma entrada de ar de um prédio
onde o fumo é proibido.
É contra esse tipo de reação que
se levantou o colunista político Jacob Sullum, autor de "Para o Seu
Próprio Bem: A Cruzada Antifumo e a Tirania da Saúde Pública".
Estudioso de legislação e políticas
públicas, Sullum argumenta no livro e em artigos em jornais como
o "Times" e o "Wall Street Journal" que o governo, ao traçar suas
políticas de saúde, não leva em
conta que os fumantes escolhem
o cigarro dispostos a arcar com
seus riscos, ainda que fatais.
Há quem ache que vale trocar alguns anos de vida por prazer e alívio de estresse. A opção é racional
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Para ele, a defesa da saúde dos
não-fumantes, alegada para impor as proibições, é fachada, já
que os estudos sobre fumantes
passivos têm como objeto gente
exposta a fumaça horas por dia,
não quem passa três horas da semana em um bar enfumaçado. A
meta, crê, é reduzir o número de
fumantes até o ponto em que
proibir o cigarro não cause alarde.
Leia os principais trechos da entrevista que ele concedeu à Folha
por telefone. Em tempo: nem Sullum nem esta repórter fumam.
Folha - Como o sr. descreve o antitabagismo nos EUA hoje?
Jacob Sullum - Os fumantes são
só 21% da população adulta hoje,
e a maior parte das pessoas que
não fumam não gosta de ficar perto da fumaça. Pois
agora eles podem
dizer não só que a
fumaça é irritante, como também
que ela pode matá-los. Para a
maioria das pessoas, não é uma
preocupação real
-o que eles não
gostam é do efeito
imediato. Só que,
se você lhes disser
que a fumaça
alheia pode matá-los, mesmo que eles não acreditem nisso, usarão essa alegação
para legitimar sua queixa e justificar o envolvimento do governo.
Folha - O sr. acha então que os fumantes passivos não estejam preocupados com o risco à sua saúde?
Sullum - Acredito que essa não
seja uma grande preocupação,
pois o risco, se existe, é muito pequeno e associado a uma exposição a longo prazo. Os estudos já
feitos têm como objeto gente que
convive com a fumaça por décadas dentro de casa.
Claro que o risco à saúde entra
na retórica, mas não é o que mais
pesa. Já a motivação das autoridades da saúde não é proteger os
não-fumantes, é obrigar as pessoas a pararem de fumar.
Folha - Embora os riscos do fumo
sejam conhecidos há décadas, o antitabagismo ganhou força só mais
recentemente. Por quê?
Sullum - Inicialmente, a expectativa era que, uma vez que o risco à
saúde fosse conhecido e compreendido, as pessoas parariam
de fumar. Pois muita gente parou
ou nem começou -a proporção
de fumantes caiu para a metade
desde os anos 60. Mas sobrou outro grupo, não tão focado nos danos no longo prazo, e sim nos benefícios imediatos de fumar.
Folha - O sr. acha que eles estão
bem informados sobre os riscos?
Sullum - Sim, certamente. O que
os ativistas e as autoridades da
saúde dizem é que, se você opta
por continuar fumando mesmo
sabendo do risco, há algo errado
com você. E aí eles querem obrigá-lo a tomar a decisão certa. É
por isso que você vê medidas cada
vez mais coercivas, como o aumento dos impostos sobre o cigarro e as proibições de fumar.
As religiões tradicionais começaram a perder espaço, e o culto à saúde passou a substituí-las
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O objetivo primário das pessoas que
as defendem é obrigar os fumantes a parar de fumar. Fica tão difícil fumar que é complicado manter o vício. Se você analisar os benefícios que essas proibições trazem à saúde pública, você verá
que a imensa maioria deles não
diz respeito aos fumantes passivos, mas à queda do número de
fumantes. Ficou tão difícil fumar
que muitos desistiram.
Folha - Qual seria uma política
pública razoável?
Sullum - Uma que tolerasse a
possibilidade de que alguém,
mesmo sabendo que o cigarro faz
mal para sua saúde, queira continuar fumando. Deve caber ao dono dos locais decidir se seus empregados ou clientes podem fumar ali. Se eles decidirem que sim,
muita gente pode não gostar, mas
aí essas pessoas procurarão um
lugar sem fumantes, ou, no caso
de funcionários, exigirão compensações para trabalhar lá.
Folha - Hoje muitas empresas de
cigarro nos EUA fazem campanhas
para que o público pare de fumar...
Sullum - É a nova cara da indústria do cigarro: "Não comprem
nosso produto". Estão tentando
melhorar sua imagem, compensar por não terem sido claros o suficiente sobre os riscos no passado. E, principalmente, afinal perceberam que quem fuma conhece
os riscos e não se importa.
Folha - Elas ainda são alvo de
muitos processos?
Sullum - Elas fecharam acordos
em todos os processos estaduais
[em 1998, as secretarias da Justiça
dos Estados e a indústria tabagista
fixaram normas,
multas e taxas para o setor em troca
de serem encerrados os processos
que corriam].
Com isso, mais de
US$ 40 bilhões
por ano vão da indústria para os Estados, tornando-os parceiros. Isso
basicamente é pago pelos fumantes, que pagam mais pelo cigarro.
Já no nível federal tem um processo que está perto de terminar,
no qual primeiro tentaram processar a indústria por um valor
tão alto que a quebraria, mas não
funcionou. Agora, caso o juiz decida a favor do governo, algumas
restrições vão ser impostas. A
idéia básica é que a indústria tabagista violenta seus consumidores,
então o processo quer evitar que
ela continue extorquindo-os.
Folha - Até que ponto a culpa é da
indústria, cujo ramo é legal?
Sullum - Muita coisa que a indústria fez foi desonesta, mas a
questão é que os riscos são tão conhecidos e há tanto tempo que é
difícil dizer que a indústria tenha
enganado alguém. É por isso que
fumantes com processos individuais não ganharam um caso em
40 anos. Só recentemente é que isso começou a mudar.
Folha - Por que não proibir?
Sullum -Acho que uma hora ou
outra isso vai acontecer. Uma vez
que o número de fumantes caia
para o que o governo considere
manejável, o tabaco será uma
droga do tipo contra o qual o governo faz guerra. Não será logo,
mas em um dado tempo o número de fumantes será baixo o suficiente para tornar os efeitos negativos de uma proibição toleráveis.
Folha - Com tanta proibição, imposto e multa, a indústria lucra?
Sullum - Sim. O acordo com os
Estados foi bom para elas, pois
envolve um sistema que as protege da competição -cria penas
para as pequenas empresas que
tentam entrar no mercado, e as
grandes podem subir seus preços.
E, nesse momento, a Phillip Morris [maior fabricante de cigarros
dos EUA] quer que a FDA [reguladora de alimentos e remédios]
regulamente o tabaco. Eles acham
que conseguirão
produzir cigarros
menos danosos, e
com isso ganharão mais dinheiro. Mas para tanto
precisam de um
selo de aprovação
do governo.
Folha - Em que
momento o cigarro se tornou um vilão nos EUA?
Sullum - Nos
anos 60, e desde
então só piorou.
Não que ninguém soubesse que
fosse ruim, mas foi aí que o risco
foi documentado e divulgado. Ao
mesmo tempo, as pessoas começaram a desenvolver essa expectativa de viver mais. As religiões tradicionais começaram a perder espaço, e as pessoas passaram a cultuar a saúde como antes abraçavam a religião. É uma crença de
que, se algo é bom para a saúde e
aumentará seu tempo de vida, você deve fazer, e tudo que pode fazer você viver menos deve ser banido. É esse o pensamento dos ativistas e das autoridades de saúde.
Folha - O sr. acha que é exagero?
Sullum - É um julgamento válido, mas há quem ache que vale a
pena trocar alguns anos da sua vida por outras coisas, como prazer
e alívio de estresse. Trata-se de
uma escolha racional, mas o problema é que algumas pessoas
acham que isso não possa ser racional. As pessoas começaram a
dar como certa essa vida mais
longeva, e aí a possibilidade de você viver menos do que se espera
virou uma tragédia. Ao mesmo
tempo em que fumar saiu de moda, as pessoas também começaram a fazer dieta, ir à academia
-coisas que aumentam a expectativa de vida. A saúde virou o
maior dos valores.
Folha - O sr. fuma?
Sullum -Não fumo cigarro. De
vez em quando, fumo cachimbo.
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