|
Texto Anterior | Próximo Texto | Índice
ARTIGO
Não há lado isento na Tailândia
BARBARA CROSSETTE
DA "NATION", EM BANCOC
A Tailândia somou-se à lista
dos países que maculam a reputação da democracia. Um confronto que se arrasta há semanas entre um governo desacreditado e a turba peripatética de
seus adversários tornou ingovernável este país em processo
acelerado de desenvolvimento.
O fechamento dos dois principais aeroportos do país nesta
semana ilustra como a Tailândia está cada vez mais isolada
do mundo. Por trás dessa tragédia grassa uma destrutiva guerra de classes que opõe ricos e
pobres, residentes urbanos e
camponeses, camisas amarelas
e camisas vermelhas.
As duas partes nesta batalha
não são o que se poderia imaginar. A elite urbana instruída, os
profissionais munidos de celulares, os democratas que no
passado se opuseram corajosamente ao governo militar, agora são os que estão determinados a provocar um golpe de Estado militar para derrubar um
governo populista que não conseguiram derrotar nas urnas.
Mais de meio século de alternância entre governos militares e civis -em sua maioria incompetentes- levou a isso.
Desde 1947 houve 18 golpes de
Estado na Tailândia. Os líderes
civis nunca deixaram de estar à
sombra do que os entendidos
chamavam de o Partido "Verde" -a cor do uniforme militar.
Então chegou um multimilionário das comunicações chamado Thaksin Shinawatra, que
mergulhou na política munido
do que pensou ser uma fórmula
à prova de balas para manter-se
no poder. Brandindo o atrativo
do dinheiro instantâneo (a
compra de votos é tradição na
Tailândia, mas não nessa escala), ele construiu uma base populista sólida no nordeste do
país, região tradicionalmente
relegada ao esquecimento, e
outras regiões agrárias pobres.
Isso desafiou e, até certo ponto,
deixou em pânico a classe média urbana, que passara a se ver
como dona do direito à liderança política democrática.
Persistência
À frente de um movimento
político que astutamente -mas
talvez equivocadamente- batizou de Thai Rak Thai (Tailandeses Amam Tailandeses),
Thaksin tornou-se premiê em
2001. Desde o início, nuvens
negras de corrupção e abuso de
poder o cercaram. Grupos de
defesa dos direitos humanos
documentaram o que pareceram ser matanças politicamente sancionadas de milhares de
suspeitos de narcotráfico no
norte do país e de alegados militantes muçulmanos no sul.
Mas sua base rural se manteve
sólida, e ele foi reeleito em
2005 com grande maioria.
Impopular em Bancoc,
Thaksin foi derrubado no golpe
militar mais recente, em 2006.
Seu partido foi dissolvido, e
mais uma vez foi redigida uma
nova Constituição. Mas, numa
eleição há um ano, o velho partido de Thaksin, rebatizado de
Partido do Poder Popular, voltou a ter maioria no Parlamento. Thaksin e sua mulher foram
processados por corrupção. Ela
foi a julgamento, mas ele fugiu
para o Reino Unido. Desde então, tendo perdido seu visto britânico, perambula no exílio.
O retorno de uma frente política "thaksinista" mal disfarçada levou seus adversários a sair
às ruas quase imediatamente, e
uma crise se formou rapidamente neste outono. O recém-cassado premiê, Somchai
Wongsawat (cunhado de Thaksin), tornou-se pouco mais que
uma figura insignificante.
Implorando para não ser forçado a dar outro golpe -exatamente por que não está claro,
mas presume-se que já esteja
farto de fazer política-, o Exército chegou a pedir que Somchai deixasse o poder com elegância e antecipasse a eleição,
algo que poderia desmontar os
protestos nas ruas.
Enquanto isso, a oposição,
reunida frouxamente na Aliança do Povo pela Democracia
(APD) e vestida de amarelo em
sinal de deferência ao rei Bhumibol Adulyadej e à cor da bandeira real, até agora provou
apenas que é capaz de paralisar
o país.
Eminência parda que raramente se manifestava publicamente sobre assuntos políticos,
o rei abandonou seu script alguns anos atrás para criticar
Thaksin pelo mal que o premiê
estaria fazendo à reputação da
Tailândia. Isso fez dele um símbolo da democracia para os camisas amarelas urbanos. Os
herdeiros de Thaksin são os camisas vermelhas.
Agora, porém, muitos tailandeses estão se perguntando,
alarmados, para onde a elite urbana está levando o país.
Nesta semana, na maior demonstração de dedicação e poderio numérico, os camisas
amarelas conseguiram, em
questão de poucas horas, passar por cima dos seguranças
passivos para tomar Suvarnabhumi, o novo aeroporto internacional modelo tailandês, um
dos maiores e mais sofisticados
da Ásia. Um ponto marcado. E
isso aconteceu justamente
quando começava o auge da lucrativa temporada turística do
inverno na Tailândia, quando o
país resistia relativamente bem
à recessão global.
Em poucos dias, europeus e
norte-americanos -os que
conseguiram partir de aeroportos de cidades menores- estavam abandonando o país às
pressas, e a moeda e a Bolsa tailandesas estremeceram.
Tendo sentido o gostinho
glorioso e emocionante do teatro de rua, a classe média parece ter perdido seu norte, sobretudo no que diz respeito a demonstrar a seus primos rurais
de camisas vermelhas como a
democracia deve funcionar.
BARBARA CROSSETTE cobre a ONU para a revista "The Nation". Foi chefe das sucursais do
"New York Times" no sul da Ásia e na ONU. Este
artigo foi distribuído pela Agence Global
Tradução de CLARA ALLAIN
Texto Anterior: Aeroportos são liberados, mas crise tailandesa segue Próximo Texto: Perguntas e respostas Índice
|