São Paulo, sábado, 04 de dezembro de 2010

Texto Anterior | Índice | Comunicar Erros

Sauditas pedem vendedoras de lingerie

Campanha tenta combater prática de homens trabalhando em lojas de roupas íntimas no país conservador

Rede de lojas que tenta furar bloqueio amarga prejuízos, diz que não vai desistir, mas admite que mudança será lenta

ASMA ALSHARIF
DA REUTERS LIFE!, EM JEDDAH, ARÁBIA SAUDITA

A primeira coisa que Dalya faz ao entrar em uma loja de lingerie na Arábia Saudita é olhar em volta para ver se algum homem está presente, depois de um encontro embaraçoso um ano atrás.
Diante dos sutiãs coloridos e transparentes, de renda e algodão, exibidos na loja, Dalya, 26, se recorda vividamente da voz masculina que ouviu ao apanhar um deles ao acaso: "Esse não é do seu número. Você precisa de sutiã dois números maior".
Era um vendedor tentando ser prestativo, ela descobriu, ainda que tenha ficado ainda mais sem jeito ao perceber que ele avaliara com precisão o número que ela usava.
Na conservadora Arábia Saudita, onde as mulheres são há muito desencorajadas de aceitar empregos em locais que permitam o acesso de homens, até mesmo as lojas de lingerie tendem a ter equipes de funcionários majoritariamente masculinas.
As patrulhas da polícia religiosa vigiam as ruas para garantir o respeito às rigorosas leis nacionais de segregação e para garantir que as mulheres, que tampouco estão autorizadas a dirigir, usem vestimentas negras longas e largas (conhecidas como abayas) em público.
O incômodo de Dalya com essa situação é preocupação crescente entre as mulheres sauditas obrigadas a comprar roupas íntimas em lojas com vendedores homens.
"Imagine um homem desconhecido olhando para suas roupas de baixo. É embaraçoso... Crescemos religiosas e aprendendo a ser modestas. Nossos objetos privados não devem ficar à vista de estranhos", disse Fatima Qaroob, que lançou uma campanha para que os vendedores de lingerie sejam substituídos por mulheres.
"Eu sentia como se estivesse despida", ela diz, relatando um incidente no qual o caixa de uma loja de lingerie vasculhava os produtos selecionados por ela, em busca das etiquetas de preço. Mas mudanças são sempre difíceis na Arábia Saudita, e a campanha "Chega de Embaraço", criada por Qaroob, não é a primeira tentativa de substituir os homens que exercem essas funções.
Empresas sauditas resistiram a um decreto governamental de 2006 que as instava a contratar apenas mulheres como vendedoras em lojas que ofereçam produtos íntimos femininos. Lojistas alegaram que a mudança resultaria em alta de custos.
Um boicote de um grupo de mulheres a lojas de lingerie não bastou para pressionar as empresas a implementar o decreto de 2006, porque não existe forma alternativa de comprar roupas de baixo.
"Se nós boicotarmos essas lojas, que alternativa temos? Onde faremos nossas compras?", disse Qaroob.
Dos 18,5 milhões de habitantes da Arábia Saudita, 9,2 milhões são mulheres. A Câmara do Comércio de Jeddah estima que as sauditas tenham gasto o equivalente a US$ 2,67 bilhões em roupas nos quatro últimos anos, 17% do total dedicado à lingerie.
Uma cadeia de lojas de lingerie, a Nayomi, decidiu aderir à campanha pela contratação de mulheres. Fizeram as mudanças necessárias e abriram 20 lojas em diversos locais, todas com equipe integralmente feminina.
Mas as vendas fracas devido ao custo elevado da segurança, a incapacidade de atrair compradores por meio da exibição de produtos nas vitrines e a relutância de algumas funcionárias a trabalhar à noite resultou em prejuízos financeiros. "Estamos convencidos da ideia, mas a mudança não ocorrerá rapidamente", conta Homaida Diab, gerente de vendas da Nayomi.

Tradução de PAULO MIGLIACCI


Texto Anterior: Parque criacionista terá Arca de Noé em tamanho real em 2014
Índice | Comunicar Erros



Copyright Empresa Folha da Manhã S/A. Todos os direitos reservados. É proibida a reprodução do conteúdo desta página em qualquer meio de comunicação, eletrônico ou impresso, sem autorização escrita da Folhapress.