São Paulo, segunda-feira, 05 de janeiro de 2004

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AFEGANISTÃO

Carta reforça o poder do presidente e abre caminho para eleições, nas quais Hamid Karzai buscará um novo mandato

Loya Jirga aprova nova Constituição afegã

Ahmad Masood/Reuters
Presidente Hamid Karzai discursa após aprovação da nova Carta


DA REDAÇÃO

Os diversos grupos étnicos do Afeganistão, marcados por décadas de guerras e históricas rivalidades, chegaram ontem a um acordo para dotar o país de uma nova Constituição, abrindo caminho para a realização de eleições presidenciais diretas em junho.
Embora adote a denominação de República islâmica, o Afeganistão, com a nova Carta, se distancia da idéia fundamentalista do islamismo que marcou, na segunda metade dos anos 90, o regime do Taleban -deposto após os atentados de 11 de Setembro (2001) por ter abrigado e dado apoio logístico à Al Qaeda, o grupo terrorista de Osama bin Laden.
"Um Afeganistão democrático servirá aos interesses e às aspirações justas de todo o povo afegão e ajudará a assegurar que o terrorismo não encontre mais refúgio nessa orgulhosa terra", disse o presidente dos Estados Unidos. George W. Bush, em nota.
A Constituição de 162 artigos, aprovada pela Loya Jirga, ou o grande conselho de chefes, prevê direitos iguais para homens e mulheres. Diz que ao menos duas mulheres devem integrar a bancada parlamentar eleita por cada uma das 32 províncias à Câmara dos Deputados (Wolesi Jirga).
O texto não faz menção à sharia, a lei islâmica, na solução dos conflitos cíveis ou na definição de punições criminais. Foram derrotadas propostas que reinstituiriam essa lei como base do sistema jurídico e as que proibiam o consumo de bebidas alcoólicas.
Mas o texto afirma que "nenhuma lei pode ser contrária às crenças e recomendações da sagrada religião islâmica". A Constituição veta a formação de partidos políticos que tenham por base determinada corrente do islamismo. É uma forma de tentar impedir que o Taleban, ainda atuante por meio de atos terroristas, volte a ser legalizado.
Quanto à diversidade étnica, são reconhecidos como idiomas nacionais o pashtu, da etnia majoritária, e o dari, falado pelos tajiques, reconhecendo-se as línguas minoritárias nas regiões em que elas são faladas.
A estrutura política será a de um "presidencialismo forte" e centralizado, conforme sugestão do presidente Hamid Karzai, apoiado pelos EUA e pela comunidade internacional, à qual resistiam os "senhores da guerra", líderes locais com milícias próprias. Não haverá primeiro-ministro.
"Não há vencedores ou perdedores", disse Karzai. Diplomatas dos EUA e da ONU intermediaram divergências que poderiam ter levado a Loya Jirga ao colapso.
O embaixador norte-americano em Cabul, Zalmay Khalilzad, cumprimentou os afegãos por terem adotado "uma das Constituições mais iluminadas do mundo islâmico". O representante da ONU, Lakhdar Brahimi, disse aos líderes afegãos que "este é um momento de grande emoção".
"Lidamos com problemas delicados, que os representantes do povo afegão conseguiram resolver", disse Sibghatullah Mojaddidi, presidente dos trabalhos constituintes. A última Constituição afegã entrou em vigor em 1964. Mas desde então o país passou pela ocupação soviética, por uma guerra civil e por cinco anos de domínio do Taleban.
O projeto da nova Carta ficou pronto em novembro, depois de 11 meses de debates e audiências públicas. A comissão que o elaborou o encaminhou à Loya Jirga, que se reuniu a 14 de dezembro em sessão que deveria durar apenas dez dias. Foram necessários 22 dias, com momentos agudos de crise, como na última quinta-feira, quando a metade dos 502 delegados decidiu boicotar as votações em protesto contra o presidencialismo centralizador.
Com a aprovação da nova Carta, as eleições presidenciais devem ocorrer em junho. Karzai é candidato à reeleição com apoio norte-americano.
Apesar do inegável avanço que a aprovação da Constituição representa, o Afeganistão ainda é ameaçado pelos conflitos entre suas diversas tribos e a falta de uma autoridade central realmente forte, pelos remanescentes do Taleban e pela falta de recursos para a reconstrução do país.

Com agências internacionais


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