|
Texto Anterior | Próximo Texto | Índice
ENTREVISTA
BASHIR BASHIR
Somos campo de jogo de interesses externos
Para cientista político, disputas regionais contaminaram luta política de palestinos
"O Hamas é um movimento enraizado, popular e ativo; se pretendem acabar com o grupo, vão fracassar", diz palestino de Jerusalém
SAMY ADGHIRNI
DA REPORTAGEM LOCAL
O cientista político Bashir
Bashir diz, nesta entrevista por
telefone, que territórios palestinos viraram campo de disputa
de interesses estrangeiros e
que o enraizamento político do
Hamas impede sua destruição.
FOLHA - Que impacto a ofensiva
em Gaza teve sobre o Hamas?
BASHIR BASHIR - É evidente que,
diante da pressão sofrida, o Hamas está vendo a sua popularidade crescer. O ataque não é
contra o Hamas, mas contra
Gaza. Os palestinos sentem isso. Como o Hamas está no
front, acaba se beneficiando da
compaixão nacional. Essa visão
não é unânime. Há críticas
constantes ao grupo. Mas prevalece a impressão de que as
pessoas devem se solidarizar
com os moradores de Gaza, e isso passa pelo Hamas.
FOLHA - Os ataques parecem estar
enfraquecendo o presidente da Autoridade Nacional Palestina, Mahmoud Abbas, e o Fatah.
BASHIR - Abu Mazen [codinome de Abbas] demorou a reagir
e, quando o fez, escolheu culpar
o Hamas. Isso não corresponde
ao que se esperava de um líder
que, teoricamente, representa
todos palestinos. As declarações destoaram da visão popular e dos interesses nacionais.
FOLHA - Mas esse enfraquecimento não vai contra os interesses de Israel, que diz querer consolidar sua liderança para negociar a paz?
BASHIR - O discurso israelense
que pretende fazer de Abu Mazen um líder popular é infundado. Ele ofereceu a Israel uma
tranquilidade quase total na
Cisjordânia e está cooperando
com os israelenses, inclusive na
segurança. O que obteve em
troca dessa cumplicidade e
coordenação? Nada.
Israel não removeu nenhum
dos 400 postos de controle na
Cisjordânia. Continua atacando em Nablus, Jenin e Ramallah e expandindo os assentamentos ilegais. Se o objetivo é
fortalecer Abu Mazen -embora os palestinos não queiram
que os israelenses fortaleçam
quem quer que seja-, então devem pôr fim à ocupação.
FOLHA - Os ataques em Gaza aumentam ou reduzem as chances de
reconciliação entre Hamas e Fatah?
BASHIR - É uma pergunta difícil. O fato é que nós, palestinos,
precisamos nos mobilizar para
pressionar os dois partidos a se
reconciliarem. Mas esse diálogo depende de muitas incógnitas. Uma deles, infelizmente, é
o fato de que, após a morte de
Iasser Arafat, nós nos tornamos uma espécie de campo de
futebol onde equipes de fora se
enfrentam. Perdemos boa parte do controle sobre o nosso
processo decisório. Os palestinos não estão mais sozinhos na
hora de definir o que querem
para o futuro. Hoje já não se
trata apenas de pressão popular. A equação inclui os protagonistas regionais, que passaram a ter muita influência -Síria, Irã, Egito, Jordânia e outras
entidades que tentam pautar a
agenda política palestina.
Até então, os atores regionais
tinham influência limitada graças à obsessão de Arafat com a
autonomia decisória palestina.
Os palestinos hoje estão fragmentados, e isso compromete
nossa credibilidade. Por outro
lado, o Hamas não tem interesse em ter um Estado em Gaza,
nem o Fatah em governar apenas a Cisjordânia. Todos sabem
que isso precisa ser resolvido.
FOLHA - Mas muita gente não sente saudade da gestão corrupta e
centralizadora de Arafat.
BASHIR - Arafat de fato era,
além de um líder problemático
e envolvido em corrupção, uma
personalidade autoritária. Mas
o cenário político palestino sob
sua gestão sempre foi pluralista, eficiente e democrático.
Arafat consultava todos os
protagonistas palestinos, incluindo o Hamas, que não faz
parte da OLP [Organização para a Libertação da Palestina].
Nossa cena sempre teve gente
de esquerda, direita e centro.
FOLHA - Qual é a chance de o Hamas ganhar as eleições deste ano?
BASHIR - O Hamas pode ganhar, sim, claro. O problema é
que a democracia no Oriente
Médio é aceita apenas parcialmente pelas potências. Ela só é
tolerada quando leva ao poder
as "pessoas certas". Isso não é
democracia, mas "hipocracia".
Não tem sentido o Hamas
aceitar participar do jogo político e o resultado acabar rejeitado. Não sou pró-Hamas. Mas
sei que não há futuro democrático na Palestina sem o Hamas.
O discurso que consiste em
dizer que o ataque em Gaza visa
destruir o Hamas não tem sentido. Acabar com o grupo significaria aniquilar 30% da população palestina. Não estamos
falando de fanáticos e lunáticos
nem de alguns milhares de quadros que podem ser eliminados. Estamos falando de um
movimento de campo enraizado, muito popular e ativo. Se os
bombardeios pretendem acabar com o grupo, estão fadados
ao fracasso. Podem enfraquecê-lo, mas a longo prazo o Hamas sairá fortalecido.
Texto Anterior: Iraque: Homem-bomba passa por 7 postos de controle e mata 35 Próximo Texto: Frase Índice
|