São Paulo, segunda-feira, 05 de janeiro de 2009

Texto Anterior | Próximo Texto | Índice

ENTREVISTA
BASHIR BASHIR


Somos campo de jogo de interesses externos

Para cientista político, disputas regionais contaminaram luta política de palestinos

"O Hamas é um movimento enraizado, popular e ativo; se pretendem acabar com o grupo, vão fracassar", diz palestino de Jerusalém

SAMY ADGHIRNI
DA REPORTAGEM LOCAL

O cientista político Bashir Bashir diz, nesta entrevista por telefone, que territórios palestinos viraram campo de disputa de interesses estrangeiros e que o enraizamento político do Hamas impede sua destruição.

 

FOLHA - Que impacto a ofensiva em Gaza teve sobre o Hamas?
BASHIR BASHIR
- É evidente que, diante da pressão sofrida, o Hamas está vendo a sua popularidade crescer. O ataque não é contra o Hamas, mas contra Gaza. Os palestinos sentem isso. Como o Hamas está no front, acaba se beneficiando da compaixão nacional. Essa visão não é unânime. Há críticas constantes ao grupo. Mas prevalece a impressão de que as pessoas devem se solidarizar com os moradores de Gaza, e isso passa pelo Hamas.

FOLHA - Os ataques parecem estar enfraquecendo o presidente da Autoridade Nacional Palestina, Mahmoud Abbas, e o Fatah.
BASHIR
- Abu Mazen [codinome de Abbas] demorou a reagir e, quando o fez, escolheu culpar o Hamas. Isso não corresponde ao que se esperava de um líder que, teoricamente, representa todos palestinos. As declarações destoaram da visão popular e dos interesses nacionais.

FOLHA - Mas esse enfraquecimento não vai contra os interesses de Israel, que diz querer consolidar sua liderança para negociar a paz?
BASHIR
- O discurso israelense que pretende fazer de Abu Mazen um líder popular é infundado. Ele ofereceu a Israel uma tranquilidade quase total na Cisjordânia e está cooperando com os israelenses, inclusive na segurança. O que obteve em troca dessa cumplicidade e coordenação? Nada. Israel não removeu nenhum dos 400 postos de controle na Cisjordânia. Continua atacando em Nablus, Jenin e Ramallah e expandindo os assentamentos ilegais. Se o objetivo é fortalecer Abu Mazen -embora os palestinos não queiram que os israelenses fortaleçam quem quer que seja-, então devem pôr fim à ocupação.

FOLHA - Os ataques em Gaza aumentam ou reduzem as chances de reconciliação entre Hamas e Fatah?
BASHIR
- É uma pergunta difícil. O fato é que nós, palestinos, precisamos nos mobilizar para pressionar os dois partidos a se reconciliarem. Mas esse diálogo depende de muitas incógnitas. Uma deles, infelizmente, é o fato de que, após a morte de Iasser Arafat, nós nos tornamos uma espécie de campo de futebol onde equipes de fora se enfrentam. Perdemos boa parte do controle sobre o nosso processo decisório. Os palestinos não estão mais sozinhos na hora de definir o que querem para o futuro. Hoje já não se trata apenas de pressão popular. A equação inclui os protagonistas regionais, que passaram a ter muita influência -Síria, Irã, Egito, Jordânia e outras entidades que tentam pautar a agenda política palestina. Até então, os atores regionais tinham influência limitada graças à obsessão de Arafat com a autonomia decisória palestina. Os palestinos hoje estão fragmentados, e isso compromete nossa credibilidade. Por outro lado, o Hamas não tem interesse em ter um Estado em Gaza, nem o Fatah em governar apenas a Cisjordânia. Todos sabem que isso precisa ser resolvido.

FOLHA - Mas muita gente não sente saudade da gestão corrupta e centralizadora de Arafat.
BASHIR
- Arafat de fato era, além de um líder problemático e envolvido em corrupção, uma personalidade autoritária. Mas o cenário político palestino sob sua gestão sempre foi pluralista, eficiente e democrático. Arafat consultava todos os protagonistas palestinos, incluindo o Hamas, que não faz parte da OLP [Organização para a Libertação da Palestina]. Nossa cena sempre teve gente de esquerda, direita e centro.

FOLHA - Qual é a chance de o Hamas ganhar as eleições deste ano?
BASHIR
- O Hamas pode ganhar, sim, claro. O problema é que a democracia no Oriente Médio é aceita apenas parcialmente pelas potências. Ela só é tolerada quando leva ao poder as "pessoas certas". Isso não é democracia, mas "hipocracia".
Não tem sentido o Hamas aceitar participar do jogo político e o resultado acabar rejeitado. Não sou pró-Hamas. Mas sei que não há futuro democrático na Palestina sem o Hamas.
O discurso que consiste em dizer que o ataque em Gaza visa destruir o Hamas não tem sentido. Acabar com o grupo significaria aniquilar 30% da população palestina. Não estamos falando de fanáticos e lunáticos nem de alguns milhares de quadros que podem ser eliminados. Estamos falando de um movimento de campo enraizado, muito popular e ativo. Se os bombardeios pretendem acabar com o grupo, estão fadados ao fracasso. Podem enfraquecê-lo, mas a longo prazo o Hamas sairá fortalecido.


Texto Anterior: Iraque: Homem-bomba passa por 7 postos de controle e mata 35
Próximo Texto: Frase
Índice



Copyright Empresa Folha da Manhã S/A. Todos os direitos reservados. É proibida a reprodução do conteúdo desta página em qualquer meio de comunicação, eletrônico ou impresso, sem autorização escrita da Folhapress.