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COMENTÁRIO
Antes de chegar ao poder, Hitler também jurou respeitar legalidade
MARCOS GUTERMAN
da Redação
A assinatura de Joerg Haider
pode não valer o papel em que está escrita. A carta firmada anteontem por ele, em defesa da democracia e em repúdio à xenofobia,
nos remete aos embustes de Hitler, alvo da admiração do extremista austríaco.
Em 1940, às vésperas da invasão
da Noruega, Goebbels, o chefe da
propaganda do Reich, disse em
reunião nazista: "Até agora conseguimos deixar o inimigo no escuro sobre as verdadeiras metas
da Alemanha, como antes de 1932
nossos adversários internos jamais perceberam aonde íamos e
que nosso juramento de legalidade era apenas um truque". Goebbels afirmou que, se
fosse premiê francês em 1933, ano
da ascensão de Hitler, teria dito:
"O novo chanceler do Reich é o
homem que escreveu "Mein
Kampf". Esse homem não pode
ser tolerado perto de nós".
Sessenta anos depois, os chefes
de governo da União Européia
adotaram uma variação dessa
postura "aconselhada" por Goebbels em relação a Haider e à Áustria, respectivamente discípulo
mal-acabado e berço de Hitler.
A reação talvez seja uma forma
de purgar o maior erro da história
européia contemporânea, o julgamento de que a marcha de Hitler
poderia ter sido interrompida por
meio de acordos e do silêncio.
Em 1936, Hitler mandou tropas
para a Renânia, então zona desmilitarizada. Pouco depois, em
1938, a Áustria foi anexada ao
Reich sem resistência. Não houve
mais do que tímidos protestos internacionais em ambos os casos.
Também em 1938, as potências
européias cederam às chantagens
de Hitler e entregaram os Sudetos
tchecos em troca da "paz em nosso tempo", nas palavras de Chamberlain; menos de seis meses depois, a Alemanha já dominava todo o território tcheco e transformava a Eslováquia em satélite.
Ou seja: a assinatura de Hitler
naquele acordo e sua promessa de
que a ambição alemã se limitava à
integração dos povos germânicos
ao Reich se liquefizeram tão rapidamente quanto as fronteiras
atravessadas pela Wermacht.
"Deixaram-nos em paz, nós nos
esgueiramos pela zona de risco e
contornamos todas as linhas perigosas. Quando estávamos bem
armados, melhores do que eles, aí
eles começaram a guerra", ironizou Goebbels em 1940.
Apesar dos paralelos, é óbvio
que não se pode concluir que Haider seja a reencarnação de Hitler e
que a Áustria possa ser a sucessora da Alemanha nazista. Mas o repúdio à coalizão austríaca embute
uma mensagem clara: não devem
ser tolerados, em países de passado tão marcadamente nazista,
discursos que, sob o disfarce de livre arbítrio e autodeterminação,
guardem laivos de totalitarismo.
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