São Paulo, #!L#Sábado, 05 de Fevereiro de 2000


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COMENTÁRIO
Antes de chegar ao poder, Hitler também jurou respeitar legalidade

MARCOS GUTERMAN
da Redação

A assinatura de Joerg Haider pode não valer o papel em que está escrita. A carta firmada anteontem por ele, em defesa da democracia e em repúdio à xenofobia, nos remete aos embustes de Hitler, alvo da admiração do extremista austríaco.
Em 1940, às vésperas da invasão da Noruega, Goebbels, o chefe da propaganda do Reich, disse em reunião nazista: "Até agora conseguimos deixar o inimigo no escuro sobre as verdadeiras metas da Alemanha, como antes de 1932 nossos adversários internos jamais perceberam aonde íamos e que nosso juramento de legalidade era apenas um truque". Goebbels afirmou que, se fosse premiê francês em 1933, ano da ascensão de Hitler, teria dito: "O novo chanceler do Reich é o homem que escreveu "Mein Kampf". Esse homem não pode ser tolerado perto de nós".
Sessenta anos depois, os chefes de governo da União Européia adotaram uma variação dessa postura "aconselhada" por Goebbels em relação a Haider e à Áustria, respectivamente discípulo mal-acabado e berço de Hitler.
A reação talvez seja uma forma de purgar o maior erro da história européia contemporânea, o julgamento de que a marcha de Hitler poderia ter sido interrompida por meio de acordos e do silêncio.
Em 1936, Hitler mandou tropas para a Renânia, então zona desmilitarizada. Pouco depois, em 1938, a Áustria foi anexada ao Reich sem resistência. Não houve mais do que tímidos protestos internacionais em ambos os casos.
Também em 1938, as potências européias cederam às chantagens de Hitler e entregaram os Sudetos tchecos em troca da "paz em nosso tempo", nas palavras de Chamberlain; menos de seis meses depois, a Alemanha já dominava todo o território tcheco e transformava a Eslováquia em satélite.
Ou seja: a assinatura de Hitler naquele acordo e sua promessa de que a ambição alemã se limitava à integração dos povos germânicos ao Reich se liquefizeram tão rapidamente quanto as fronteiras atravessadas pela Wermacht.
"Deixaram-nos em paz, nós nos esgueiramos pela zona de risco e contornamos todas as linhas perigosas. Quando estávamos bem armados, melhores do que eles, aí eles começaram a guerra", ironizou Goebbels em 1940.
Apesar dos paralelos, é óbvio que não se pode concluir que Haider seja a reencarnação de Hitler e que a Áustria possa ser a sucessora da Alemanha nazista. Mas o repúdio à coalizão austríaca embute uma mensagem clara: não devem ser tolerados, em países de passado tão marcadamente nazista, discursos que, sob o disfarce de livre arbítrio e autodeterminação, guardem laivos de totalitarismo.


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