São Paulo, quinta-feira, 05 de fevereiro de 2004

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ÁSIA

O "pai" da bomba atômica do país afirma que repassou dados à Coréia do Norte, ao Irã e à Líbia sem conhecimento do governo

Paquistanês diz que vazou segredo nuclear

DA REDAÇÃO

O "pai" da bomba nuclear paquistanesa, Abdul Qadeer Khan, assumiu publicamente a responsabilidade por vazamentos de segredos nucleares para outros países e disse que tudo foi feito sem que o governo, controlado pelos militares, soubesse.
Em pronunciamento veiculado ontem pela TV estatal, ele pediu perdão ao ditador paquistanês, general Pervez Musharraf, com quem havia se reunido pouco antes, e à população.
"Decidi aparecer diante de vocês para oferecer meu profundo arrependimento e desculpas ilimitadas a uma nação traumatizada", disse Khan. "Assumo total responsabilidade por minhas ações e peço perdão."
Khan admitiu ter repassado tecnologia nuclear para a Líbia, o Irã e a Coréia do Norte. Os últimos dois países integram o chamado "eixo do mal", termo criado pelo presidente americano, George W. Bush, para reunir os países do mundo que, segundo os EUA, estariam desenvolvendo armas de destruição em massa. O Iraque integrou o "eixo" até a queda do ditador Saddam Hussein, em abril de 2003.
Khan é um herói nacional no Paquistão por ter desenvolvido, nos anos 70, a primeira bomba atômica do mundo islâmico. Para o Paquistão, obter capacidade nuclear também foi crucial devido ao conflito com a vizinha Índia, que possui a bomba atômica.
A admissão pública de Khan parece atender a dois objetivos.
Primeiro, o governo se veria numa situação difícil se tivesse de processar o "pai" da bomba atômica do país. Ao pedir desculpas, permite uma saída honrosa. Ontem mesmo, Musharraf se reuniu com a cúpula militar para debater o pedido de desculpas.
Em segundo lugar, ao assumir toda a culpa, Khan "absolve" o governo e o Exército, que não querem se indispor com os EUA.
Desde o 11 de Setembro, o Paquistão tornou-se um dos principais aliados dos EUA na guerra contra o terror, facilitando a intervenção militar no vizinho Afeganistão (2001). Antes, apoiava o Taleban, milícia extremista islâmica que controlava o Afeganistão e dava refúgio à rede Al Qaeda, responsável pelos atentados.
Khan é foco de uma investigação interna desde novembro, quando o Irã disse à AIEA (Agência Internacional de Energia Atômica), ligada à ONU, ter obtido tecnologia nuclear do Paquistão.
No mês passado, Musharraf admitiu que "indivíduos" venderam segredos nucleares paquistaneses a outros países nos anos 80.
"Também quero esclarecer que nunca houve nenhum tipo de autorização do governo para essas atividades", disse Khan, que perdeu seu cargo de assessor especial de Musharraf e está sob vigilância. Outros seis cientistas e funcionários do governo estão detidos.
Em Washington, o porta-voz da Casa Branca, Scott McClellan, evitou comentar a fala de Khan. "Apreciamos os esforços [do Paquistão] de enfrentar uma questão tão séria como a proliferação das armas de destruição em massa pelo mundo", disse.
Críticos do governo dizem que Khan está sendo usado como bode expiatório. "O governo insultou Abdul Qadeer Khan ao forçá-lo a ler a declaração na TV", disse Shahid Shamsi, porta-voz de um importante partido islâmico, que exigiu a apresentação de provas contra o cientista.
Os islâmicos, influentes no país, convocaram um dia de protesto para amanhã.


Com agências internacionais

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