São Paulo, sexta-feira, 05 de fevereiro de 2010

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ANÁLISE

Brasil tem pouco a ganhar e muito a perder em discussão

É difícil acreditar que Itamaraty conseguiria ter sucesso em negociação com o Irã, na qual diplomacias mais competentes do planeta vêm fracassando há anos

HÉLIO SCHWARTSMAN
DA EQUIPE DE ARTICULISTAS

A O METER-SE nas negociações nucleares com o Irã, o Brasil procura sarna para se coçar: a probabilidade de o país contribuir de fato para reduzir a tensão no Oriente Médio é pequena; já as chances de o Itamaraty acabar enfiando os pés pelas mãos são consideráveis.
Se é sincero o desejo de Teerã de desenvolver tecnologia nuclear apenas para fins pacíficos, haveria uma chance de o plano da AIEA com uma eventual participação brasileira funcionar. É difícil, porém, conciliar as intenções benignas com o fato de que oito anos de negociações envolvendo algumas das mais competentes diplomacias do planeta não tenham bastado para costurar um acordo. Custa crer que seria só agora, com a entrada do Itamaraty nas discussões, que as coisas miraculosamente se resolveriam.
Se, por outro lado, o Irã já tomou a decisão de tornar-se uma potência nuclear -o que não deixa de ser uma escolha racional, ainda que pouco sábia-, então o presidente Mahmoud Ahmadinejad está usando Lula e o Brasil apenas para ganhar tempo, hipótese em que fazemos o papel de bobos.
A questão de fundo é a do direito de acesso a armas atômicas, uma das mais mal resolvidas pela comunidade internacional. O problema central é a assimetria do Tratado de Não Proliferação Nuclear (TNP). Firmado em 1968, esse acordo peca por tentar prolongar indefinidamente uma divisão do mundo em duas categorias de nações. Na primeira, figuram as cinco potências nucleares da época -EUA, URSS (sucedida pela Rússia), Reino Unido, França e China-, que ficariam autorizadas a manter arsenais. Na segunda, os demais países, que se comprometeriam a nunca adquirir tais armas.
Como não poderia deixar de ser, o TNP jamais funcionou direito. Israel, Índia e Paquistão, que nunca assinaram o documento, desenvolveram arsenal atômico e não sofreram nenhum tipo de represália, de onde se conclui que valeu a pena.
A Coreia do Norte ao menos fez essa avaliação e, em 2003, retirou-se do TNP. Desde então, vem sobrevivendo de pequenas chantagens atômicas, pelas quais arranca concessões em troca de promessas de desarmamento nunca cumpridas.
Diante desses precedentes, não parece um despropósito Teerã acreditar que possa sair-se bem se, apostando no desafio, construir sua bomba.
O Brasil, que já resolveu o seu problema nuclear quando inscreveu na Constituição o veto a armas desse tipo, tem pouco a ganhar e muito a perder ao entrar na novela iraniana. Se tudo der certo, Lula poderá desfraldar a bandeira eleitoral do protagonismo brasileiro; caso contrário, será a imagem de órgão diplomático responsável do Itamaraty que sairá arranhada.


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