|
Texto Anterior | Próximo Texto | Índice
ANÁLISE
Brasil tem pouco a ganhar e muito a perder em discussão
É difícil acreditar que Itamaraty conseguiria ter sucesso em negociação com o Irã, na qual diplomacias mais competentes do planeta vêm fracassando há anos
HÉLIO SCHWARTSMAN
DA EQUIPE DE ARTICULISTAS
A O METER-SE nas negociações nucleares com
o Irã, o Brasil procura
sarna para se coçar: a probabilidade de o país contribuir de fato para reduzir a tensão no
Oriente Médio é pequena; já as
chances de o Itamaraty acabar
enfiando os pés pelas mãos são
consideráveis.
Se é sincero o desejo de Teerã
de desenvolver tecnologia nuclear apenas para fins pacíficos,
haveria uma chance de o plano
da AIEA com uma eventual
participação brasileira funcionar. É difícil, porém, conciliar
as intenções benignas com o fato de que oito anos de negociações envolvendo algumas das
mais competentes diplomacias
do planeta não tenham bastado
para costurar um acordo. Custa
crer que seria só agora, com a
entrada do Itamaraty nas discussões, que as coisas miraculosamente se resolveriam.
Se, por outro lado, o Irã já tomou a decisão de tornar-se
uma potência nuclear -o que
não deixa de ser uma escolha
racional, ainda que pouco sábia-, então o presidente Mahmoud Ahmadinejad está usando Lula e o Brasil apenas para
ganhar tempo, hipótese em que
fazemos o papel de bobos.
A questão de fundo é a do direito de acesso a armas atômicas, uma das mais mal resolvidas pela comunidade internacional. O problema central é a
assimetria do Tratado de Não
Proliferação Nuclear (TNP).
Firmado em 1968, esse acordo
peca por tentar prolongar indefinidamente uma divisão do
mundo em duas categorias de
nações. Na primeira, figuram as
cinco potências nucleares da
época -EUA, URSS (sucedida
pela Rússia), Reino Unido,
França e China-, que ficariam
autorizadas a manter arsenais.
Na segunda, os demais países,
que se comprometeriam a nunca adquirir tais armas.
Como não poderia deixar de
ser, o TNP jamais funcionou direito. Israel, Índia e Paquistão,
que nunca assinaram o documento, desenvolveram arsenal
atômico e não sofreram nenhum tipo de represália, de onde se conclui que valeu a pena.
A Coreia do Norte ao menos
fez essa avaliação e, em 2003,
retirou-se do TNP. Desde então, vem sobrevivendo de pequenas chantagens atômicas,
pelas quais arranca concessões
em troca de promessas de desarmamento nunca cumpridas.
Diante desses precedentes,
não parece um despropósito
Teerã acreditar que possa sair-se bem se, apostando no desafio, construir sua bomba.
O Brasil, que já resolveu o seu
problema nuclear quando inscreveu na Constituição o veto a
armas desse tipo, tem pouco a
ganhar e muito a perder ao entrar na novela iraniana. Se tudo
der certo, Lula poderá desfraldar a bandeira eleitoral do protagonismo brasileiro; caso contrário, será a imagem de órgão
diplomático responsável do
Itamaraty que sairá arranhada.
Texto Anterior: Embaixador dos EUA é cético sobre diálogo com Teerã Próximo Texto: Romênia anuncia apoio a novo sistema antimísseis americano Índice
|