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France Presse - 3.mar.2000
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Manifestante contrário a Pinochet empurra simpatizante do general, durante ato em Santiago |
CASO PINOCHET
Forças Armadas tentam evitar julgamento de seu "líder natural", que poderia abalar seu papel político
Militares mantêm força no Chile
KENNEDY ALENCAR
enviado especial a Santiago
A volta do ex-ditador Augusto
Pinochet ao Chile deixou claro
que as Forças Armadas continuam a influenciar os rumos da
democracia no país.
O poder militar chileno é menor
hoje do que no passado recente,
mas bem maior do que em democracias vizinhas, como Brasil e
Argentina, que também viveram
sob ditaduras nas décadas de 70 e
80.
"No Chile, o poder está 50%
com o governo, 25% com os empresários e 25% ainda com os militares", diz Marta Lagos, do Mori,
instituto de pesquisas de opinião.
De acordo com Marta, levantamentos mostram que existe um
"temor não dito" da população
no que se refere ao poder de influência política dos militares e,
por extensão, de Pinochet -o
maior símbolo do Exército, a força que realmente conta.
Ex-comandante da Marinha e
senador biônico (não eleito), o almirante da reserva Jorge Martinez Busch declara que "as Forças
Armadas não podem e não desejam abandonar Pinochet".
Busch defende que o ex-ditador
volte a ocupar sua cadeira de senador vitalício. Afirma que a enfermidade de Pinochet se deve ao
"estresse" e à "humilhação" a que
foi submetido.
Pinochet ficou detido 503 dias
no Reino Unido, país que analisava um pedido de extradição da
Espanha a fim de julgá-lo por crimes cometidos contra cidadãos
espanhóis e os direitos humanos.
Pinochet foi libertado por razões
humanitárias -exames médicos
não o consideraram passível de
responder a um processo judicial.
Há um debate jurídico no Chile
a respeito da legalidade de julgar
Pinochet, contra quem correm 59
ações. Mesmo que os tribunais
julguem pelo fim de sua imunidade parlamentar, existem dúvidas
quanto às provas ou "fortes evidências" de culpa, como se diz na
linguagem processual chilena,
que possam vir a responsabilizá-lo.
Entidades de defesa dos direitos
humanos temem que, dentro da
interpretação das leis (no caso,
em relação às "fortes evidências"), o ex-ditador acabe por encontrar uma forma de escapar da
Justiça. O Exército e a direita chilena empenham-se nesse sentido.
"Pinochet voltou para que possa ser julgado. Se isso não acontecer, será uma vergonha para a
nossa democracia", diz Viviana
Diaz, porta-voz do Grupo de Familiares de Presos Desaparecidos.
"Se o Chile quer mesmo uma reconciliação, sua democracia deve
pagar o preço de superar o passado", contrapõe o deputado Ivan
Moreira, da União Democrática
Independente, partido de direita.
Segundo Moreira, a recepção
militar dada a Pinochet anteontem, contrariando a recomendação do governo, evidencia que as
Forças Armadas chilenas lutarão
politicamente a seu favor.
A "demonização" de Pinochet,
"um herói militar que salvou a pátria do comunismo", segundo o
discurso de seus defensores, não
interessa às Forças Armadas, que
ficariam enfraquecidas como atores políticos no Chile.
Pinochet ainda é um modelo
para os militares chilenos, que reconhecem o Estado de Direito
atual e os "excessos" da ditadura,
mas que desejam virar a página
daquele período histórico.
O comandante-em-chefe do
Exército, o general Ricardo Izurieta, disse, em nota, que o regresso de Pinochet deve ser aceito
"olhando-se o futuro e o desenvolvimento de nossa pátria".
Afirmou ainda que a instituição
que comanda "continuará prestando permanente apoio e solidariedade ao capitão-general Augusto Pinochet Ugarte".
Não foi à toa que o ministro do
Interior, Raúl Troncoso, fez o seguinte comentário após a recepção ao ex-ditador, desaprovada
publicamente pelo governo: "É
necessário manter a calma, a moderação e o tino".
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