São Paulo, domingo, 05 de março de 2000


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ELEIÇÕES NOS EUA
Estados que criaram o evento depois perderam força com a inclusão da Califórnia e de Nova York
"Super Terça" reforçou poder do Sul

CARLOS EDUARDO LINS DA SILVA
especial para a Folha

Foi em 1984 que a expressão "Super Terça" entrou para o léxico da política norte-americana. Depois de amanhã, o evento que a define ocorrerá pela quinta vez, com importância sem precedentes.
Há 16 anos, um grupo de governadores da região Sul dos EUA, a mais atrasada do país, adotou uma estratégia para ganhar mais influência no processo da eleição presidencial, marcando para um só dia as suas eleições primárias.
A idéia era fazer com que os pré-candidatos de cada um dos dois partidos importantes se comprometessem com as causas do Sul em troca do apoio que poderia ajudar suas aspirações.
O objetivo foi, de certo modo, alcançado. Ter sucesso na "Super Terça" se tornou tão ou mais decisivo para os pretendentes à Casa Branca como vinha sendo, desde 1952, vencer ou pelo menos ir bem na primeira eleição primária, a de New Hampshire.
Como o Sul é conservador, um bom desempenho na "Super Terça" passou a exigir dos candidatos cuidado especial ao lidar com temas como aborto, moral, família.
Se New Hampshire, o pequeno Estado da Nova Inglaterra (área de 21 mil km2, população de 1,2 milhão) conseguiu manter-se no estrelato eleitoral do país por 40 anos (o tabu de que ninguém chegaria à Casa Branca sem vencer a primária de New Hampshire só acabou com Bill Clinton, em 1992), o Sul, maior e mais populoso, viu o prestígio de sua primária coletiva se esvair depressa.
À "Super Terça" de 2000, como já vinha ocorrendo desde 1992, incorporaram-se Estados de outras regiões, inclusive três com grandes colégios eleitorais: Nova York (Costa Leste), Califórnia (Costa Oeste) e Ohio (Meio-Oeste).
Califórnia e Nova York, que costumavam realizar suas primárias em maio ou junho, quando em geral a escolha dos candidatos presidenciais dos dois partidos já estava definida, anteciparam as votações para aumentar seu poder de barganha. Em consequência, esvaziaram o do Sul.
Na verdade, nos últimos 12 anos, o que se tem visto é uma guerra política entre Estados que querem ser os primeiros a promover primárias.
Um dos efeitos dessa corrida é uma distorção do espírito que motivou a instituição das eleições primárias.
Elas ganharam relevo como resposta às convenções partidárias nacionais, em que os candidatos à Presidência eram escolhidos em negociatas entre os caciques dos Estados, que controlavam suas delegações com mão de ferro e em interesse próprio.
Em especial depois de 1968, quando a convenção do Partido Democrata (que escolheu o vice-presidente Hubert Humphrey apesar do sucesso do senador Eugene McCarthy nas primárias) em Chicago foi convulsionada por manifestações de rua que acabaram em sangrentos confrontos com a polícia, mais e mais delegados às convenções nacionais dos dois partidos passaram a ser escolhidos pelo voto direto.
Atualmente, quase a totalidade dos delegados sai das primárias. O que não garante, necessariamente, maior representatividade.
Primeiro, porque o índice de abstenção nessas eleições é enorme (em geral, menos de 20% dos eleitores registrados participam delas). Segundo, porque o poder dos caciques regionais pode ter diminuído em relação ao que era há seis décadas, mas continua enorme.
Terceiro, porque a quantidade de dinheiro obtido por um pré-candidato continua a ser o fator que define o resultado.
Veja o caso da eleição deste ano. O governador do Texas, George W. Bush, que em 31 de janeiro tinha mais de quatro vezes mais verbas para gastar do que seu principal adversário no Partido Republicano, senador John McCain, está prestes a vencer a "Super Terça" e, com ela, garantir a candidatura.
Isso, apesar de McCain o ter derrotado por vantagem de 19 pontos percentuais em New Hampshire e ter entusiasmado o eleitorado republicano como ninguém desde Ronald Reagan.
Se as convenções partidárias de 2000 ainda se realizassem na base do conchavo de corredores, o resultado seria igual ao que já se antecipa há pelo menos dois anos: vitória de Bush entre os republicanos e do vice-presidente Al Gore entre os democratas.
O poder do dinheiro e o uso da máquina ainda se sobrepõem às tentativas de dar mais legitimidade à escolha dos candidatos.
Quanto ao Sul dos EUA, continua a região mais atrasada, apesar de ter tido um filho seu, Bill Clinton, na Casa Branca nos mais prósperos oito anos da história do país neste século.


Carlos Eduardo Lins da Silva é diretor-adjunto de Redação do jornal "Valor", que começa a circular em abril.



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