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ELEIÇÕES NOS EUA
Estados que criaram o evento depois perderam força com a inclusão da Califórnia e de Nova York
"Super Terça" reforçou poder do Sul
CARLOS EDUARDO LINS DA SILVA
especial para a Folha
Foi em 1984 que a expressão
"Super Terça" entrou para o léxico da política norte-americana.
Depois de amanhã, o evento que a
define ocorrerá pela quinta vez,
com importância sem precedentes.
Há 16 anos, um grupo de governadores da região Sul dos EUA, a
mais atrasada do país, adotou
uma estratégia para ganhar mais
influência no processo da eleição
presidencial, marcando para um
só dia as suas eleições primárias.
A idéia era fazer com que os
pré-candidatos de cada um dos
dois partidos importantes se
comprometessem com as causas
do Sul em troca do apoio que poderia ajudar suas aspirações.
O objetivo foi, de certo modo,
alcançado. Ter sucesso na "Super
Terça" se tornou tão ou mais decisivo para os pretendentes à Casa
Branca como vinha sendo, desde
1952, vencer ou pelo menos ir
bem na primeira eleição primária,
a de New Hampshire.
Como o Sul é conservador, um
bom desempenho na "Super Terça" passou a exigir dos candidatos
cuidado especial ao lidar com temas como aborto, moral, família.
Se New Hampshire, o pequeno
Estado da Nova Inglaterra (área
de 21 mil km2, população de 1,2
milhão) conseguiu manter-se no
estrelato eleitoral do país por 40
anos (o tabu de que ninguém chegaria à Casa Branca sem vencer a
primária de New Hampshire só
acabou com Bill Clinton, em
1992), o Sul, maior e mais populoso, viu o prestígio de sua primária
coletiva se esvair depressa.
À "Super Terça" de 2000, como
já vinha ocorrendo desde 1992, incorporaram-se Estados de outras
regiões, inclusive três com grandes colégios eleitorais: Nova York
(Costa Leste), Califórnia (Costa
Oeste) e Ohio (Meio-Oeste).
Califórnia e Nova York, que
costumavam realizar suas primárias em maio ou junho, quando
em geral a escolha dos candidatos
presidenciais dos dois partidos já
estava definida, anteciparam as
votações para aumentar seu poder de barganha. Em consequência, esvaziaram o do Sul.
Na verdade, nos últimos 12
anos, o que se tem visto é uma
guerra política entre Estados que
querem ser os primeiros a promover primárias.
Um dos efeitos dessa corrida é
uma distorção do espírito que
motivou a instituição das eleições
primárias.
Elas ganharam relevo como resposta às convenções partidárias
nacionais, em que os candidatos à
Presidência eram escolhidos em
negociatas entre os caciques dos
Estados, que controlavam suas
delegações com mão de ferro e
em interesse próprio.
Em especial depois de 1968,
quando a convenção do Partido
Democrata (que escolheu o vice-presidente Hubert Humphrey
apesar do sucesso do senador Eugene McCarthy nas primárias)
em Chicago foi convulsionada
por manifestações de rua que acabaram em sangrentos confrontos
com a polícia, mais e mais delegados às convenções nacionais dos
dois partidos passaram a ser escolhidos pelo voto direto.
Atualmente, quase a totalidade
dos delegados sai das primárias.
O que não garante, necessariamente, maior representatividade.
Primeiro, porque o índice de
abstenção nessas eleições é enorme (em geral, menos de 20% dos
eleitores registrados participam
delas). Segundo, porque o poder
dos caciques regionais pode ter
diminuído em relação ao que era
há seis décadas, mas continua
enorme.
Terceiro, porque a quantidade
de dinheiro obtido por um pré-candidato continua a ser o fator
que define o resultado.
Veja o caso da eleição deste ano.
O governador do Texas, George
W. Bush, que em 31 de janeiro tinha mais de quatro vezes mais
verbas para gastar do que seu
principal adversário no Partido
Republicano, senador John
McCain, está prestes a vencer a
"Super Terça" e, com ela, garantir
a candidatura.
Isso, apesar de McCain o ter
derrotado por vantagem de 19
pontos percentuais em New
Hampshire e ter entusiasmado o
eleitorado republicano como ninguém desde Ronald Reagan.
Se as convenções partidárias de
2000 ainda se realizassem na base
do conchavo de corredores, o resultado seria igual ao que já se antecipa há pelo menos dois anos:
vitória de Bush entre os republicanos e do vice-presidente Al Gore entre os democratas.
O poder do dinheiro e o uso da
máquina ainda se sobrepõem às
tentativas de dar mais legitimidade à escolha dos candidatos.
Quanto ao Sul dos EUA, continua a região mais atrasada, apesar
de ter tido um filho seu, Bill Clinton, na Casa Branca nos mais
prósperos oito anos da história do
país neste século.
Carlos Eduardo Lins da Silva é diretor-adjunto de Redação do jornal "Valor", que começa a circular em abril.
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