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Lei do aborto na Espanha opõe igreja ao governo
Reforma sugerida por gabinete socialista reduz exigências para intervenção legal
Proposta prevê que idade mínima para aborto passe de 18 para 16 anos; católicos prometem manifestações para a Semana Santa
LUISA BELCHIOR
COLABORAÇÃO PARA A FOLHA, DE MADRI
A Espanha tem deixado de lado as discussões sobre como
sair da crise econômica para
debater um tema que parecia
superado há quase três décadas
no país: a legalização do aborto.
Desde que o governo divulgou os parâmetros para uma
pretendida reforma que flexibiliza a lei atual -uma das mais
conservadoras da Europa-,
cientistas, oposição e escolas se
envolveram em um enfrentamento que reacendeu também
a disputa entre a Igreja Católica
e os socialistas espanhóis,
atualmente no poder.
Na semana passada, milhares
de pessoas -500 mil, segundo
os organizadores, e cerca de 20
mil nos cálculos do site Manifestómetro, dedicado a contabilizar protestos- foram às
ruas de Madri pedindo a proibição total do aborto.
"O governo está dando passos para trás. Em vez de querer
seguir os padrões da Europa, a
Espanha poderia servir de
exemplo para o continente e
não permitir o aborto", disse à
Folha Sofia Gutiérrez, 34, que
levou os quatro filhos ao protesto, todos vestidos de vermelho e com bandeiras nacionais.
O debate explodiu no início
de março, quando a ministra da
Igualdade, Bibiana Aído, divulgou a conclusão de uma comissão de juristas e cientistas convocados pelo governo para desenhar a reforma.
Recomendações
O grupo faz duas recomendações principais: 1) que o aborto
passe a ser livre até as 14 semanas de gestação -atualmente,
apenas mulheres que comprovem algum tipo de risco de vida
para ela ou para o bebê nesse
período estão legalmente autorizadas a abortar; 2) e que se reduza de 18 para 16 anos a idade
mínima para um aborto sem o
consentimento dos pais.
Apesar de ainda não ter redigido o anteprojeto de lei que será apresentado ao Parlamento,
o governo já sinalizou que não
fará mudanças nas recomendações. Isso gerou imediata reação de parte da população e
principalmente da Conferência
Episcopal da Espanha, que,
dias depois, anunciou uma
campanha contra o aborto.
Embora afirme que faz parte
de uma iniciativa anual, o porta-voz da Conferência Episcopal e bispo auxiliar de Madri, d.
Juan Antonio Martínez Camino, reconheceu que, neste ano,
a Igreja aumentou o orçamento
da campanha -cujo valor não
foi divulgado.
O símbolo da iniciativa é um
cartaz em que um bebê aparece
ao lado de um lince protegido
por ameaça de extinção, sob a
frase "E eu, não? Proteja a minha vida". Desde o dia 16 de
março, 30 mil cópias da foto estão espalhadas em centros católicos, ônibus e outdoors de
Madri e outras 36 cidades.
Os governistas têm denunciado a intenção dos bispos de
utilizar as procissões religiosas
da Semana Santa para fazer
campanha. À Folha a Conferência Episcopal disse que as
manifestações seriam em forma de fitas brancas amarradas
no corpo e que a iniciativa é de
algumas irmandades, sem
coordenação central.
Divisão
"Parece que alguns setores só
se manifestam contra o aborto
quando há um governo socialista no poder", declarou o vice-secretário do PSOE (Partido
Socialista Operário Espanhol),
José Blanco.
Até a própria Igreja Católica
está dividida sobre o tema, segundo Rebeca Diago, da Associação de Teólogas da Espanha.
"Existe uma diversidade dentro da igreja, temos o grupo
Cristãos pelo Direito de Decidir. Mas o governo tem que respeitar o direito de a igreja se
manifestar", disse à Folha.
Os socialistas subiram o tom
depois que o jornal "El País",
identificado com o partido governista, denunciou que escolas públicas católicas têm feito
campanha contra o aborto nas
salas de aula, exibindo imagens
de fetos. "É revoltante que os
centros educativos sirvam de
fórum para a manipulação dos
alunos", afirmou em nota a secretária de Educação do PSOE,
Cándida Martínez.
O argumento do governo para a reforma é que a lei de 1985
está "caduca", principalmente
por não garantir a segurança
jurídica para as mulheres que
fazem o aborto e os médicos
que as operam. Para os socialistas, os parâmetros legais que
permitem a interrupção da gravidez não estão claros.
"Na prática, não vai mudar
nada, porque hoje muitas mulheres saem do país para abortar", disse à Folha o biólogo Vicente Larraga.
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