São Paulo, domingo, 05 de maio de 2002

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Sentimento de vergonha atinge eleitores

DE PARIS

O segundo turno das eleições presidenciais na França será realizado sob o signo da vergonha. Foi esse o sentimento que tomou conta dos franceses logo após os resultados do primeiro turno. Vergonha foi também uma das palavras mais utilizadas no país nas últimas duas semanas. "Vergonha... Eu chorei", dizia um dos cartazes no megaprotesto contra Le Pen no Primeiro de Maio.
Vergonha por a França, berço dos direitos humanos e da democracia moderna, ter deixado um líder extremista e xenófobo chegar tão perto do poder. Vergonha da esquerda por ela ser agora obrigada a praticar o "voto útil" para o candidato de centro-direita, Jacques Chirac, como recurso contra a extrema direita.
"Senti uma dupla vergonha. Primeiro, porque Le Pen tinha chegado lá. Segundo, porque o seu rival seria Chirac. Eu e meus amigos discutimos horas sobre essa opção inimaginável, entre o supermentiroso e o superfascista, que desonra a França", disse o veterinário Nicolas, 28, que, no primeiro turno, votou no candidato de extrema esquerda Olivier Besancenot, da Liga Comunista Revolucionária.
A aeromoça Samia Elmannani, 29, votou no socialista Lionel Jospin e acha um "blablablá" inútil ficar lamentando o voto útil em Chirac. "Agora é tarde para ter vergonha. Temos de assumir. Chirac é um charlatão, mas afinal é simpático e convivial. Meu voto não será dado especialmente para ele, mas para a República", diz.
O desempregado Mohammad, 30, de origem argelina, acha que os franceses estão sempre "fazendo cinema e publicidade". "Eles aproveitam as situações para se exibir. Não é vergonha, é cinema. Por cima dão um sorriso, por baixo passam o veneno. Mas, se Le Pen chega ao poder, será a violência e o ódio de verdade", diz ele.
"Não se pode hesitar nem ter vergonha. O voto para Chirac é a única maneira de conter esse sujo", diz o padre Charles Sureau, 78, referindo-se a Le Pen. Ele conta que viveu a ocupação da França pelos nazistas (1940-1944). "Sei muito bem o que é a extrema direita. Os franceses votaram irresponsavelmente."
A vergonha é também um sentimento que atinge os partidários de Le Pen. Ela é, porém, de outra ordem. Estigmatizados por sua decisão política, ainda mais depois dos protestos maciços contra a extrema direita, eles têm receio de declarar publicamente sua preferência de voto.
"Não é vergonha o que sentimos, é muito mais medo, o que não é normal, pois votamos democraticamente. Mas, se você mora num local onde está cercado de gente de cor, vai acabar se calando, pois tem receio", afirma a professora de inglês Charlotte, 45, que votou em Le Pen porque "é francesa e descendente de celtas". (ALN)



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