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São Paulo, segunda-feira, 05 de maio de 2003

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AMÉRICAS

Apesar de ser contrário à pena de morte, o Prêmio Nobel da Paz de 1980 mantém seu apoio ao governo de Fidel

Esquivel ataca política dos EUA sobre Cuba

LÉO GERCHMANN
DA AGÊNCIA FOLHA, EM PORTO ALEGRE

O Prêmio Nobel da Paz de 1980, o argentino Adolfo Pérez Esquivel, pensa que "Cuba é um pretexto para os Estados Unidos militarizarem ainda mais a América Latina". Ele é um dos mais de 160 intelectuais que assinaram, na última semana, um manifesto em apoio ao regime de Fidel Castro.
A seguir, leia trechos de entrevista que ele concedeu à Agência Folha, por telefone, de sua casa em Buenos Aires:

Agência Folha - O sr. integra um grupo de 160 intelectuais de diversos países, incluindo quatro Prêmio Nobel da Paz, que assinou documento se solidarizando com Cuba e condenando os EUA. O sr. justifica os julgamentos sumários e as penas de morte aos quais dissidentes foram submetidos nesse país? O sr. é a favor das execuções?
Adolfo Pérez Esquivel -
É importante vermos que essa discussão tem diversos eixos. Sou contra a pena de morte em qualquer lugar do mundo. Em Cuba, também, mas não só lá. No Texas, o atual presidente dos Estados Unidos, George W. Bush, mandou executar 152 pessoas. Isso é um erro em qualquer lugar, mas temos de apoiar Cuba para o país não ficar sozinho, isolado. Há uma campanha contra Cuba, isso está claro, e é um fato de profunda relevância para a América Latina.
Não estou de acordo com Saramago [o escritor português comunista José Saramago, Prêmio Nobel de Literatura, que condenou Cuba pelas execuções" quando diz que "até aqui cheguei" [em artigo por ele divulgado mundo afora". Não podemos deixar Cuba à mercê dos EUA e de atos terroristas que eles incentivam, como sequestrar barcos, aviões e carros.

Agência Folha - Mas é possível justificar as execuções em Cuba? Isso não é condenável?
Esquivel -
Repito que sou terminantemente contra a pena de morte. A pena de morte deveria ser abolida em Cuba e em qualquer outro lugar. Trata-se de uma discussão legítima e verdadeira. Mas, atualmente, há a previsão para a pena de morte na Constituição cubana. Esse é um dos eixos que devem ser discutidos.
Outro é o seguinte: Cuba vem sofrendo a agressão dos EUA há 40 anos. Por que ninguém fala das agressões dos EUA? Trata-se de um intervencionismo permanente. Os EUA posam de democráticos, mas são um país totalitário, pelo menos para os demais países. É importante desmascarar essa situação. Frente a atos terroristas como o sequestro de embarcações, Cuba aplicou sua lei, que prevê pena de morte, da qual discordo. Temos de buscar uma forma de evitar que Cuba aplique a pena de morte.

Agência Folha - O sr. fala de eixos, mas, no caso da guerra do Iraque, houve críticas à ação militar dos EUA com uma certa tolerância de alguns setores da esquerda em relação ao regime ditatorial de Saddam Hussein. Esse também não seria um caso de análise por eixos?
Esquivel -
No caso do Iraque, os chefes dos executivos dos EUA [Bush", da Espanha [José María Aznar" e do Reino Unido [Tony Blair" são criminosos de guerra e deveriam responder por isso. Eles invadiram um país que não é agressor para se apoderar de recursos petrolíferos. Realmente, a atuação de Saddam é outro eixo.

Agência Folha - A disputa eleitoral na Argentina, entre os peronistas Carlos Menem e Néstor Kirchner, define o futuro da região?
Esquivel -
Aqui na Argentina, estamos votando no menos mal, que é Kirchner. É um voto contra Menem. Se for eleito, Menem não só vai destruir o Mercosul, como também vai apoiar a colonização dos EUA com a entrada na Alca [Área de Livre Comércio das Américas". Isso é a colonização da América Latina. Há toda uma política que Menem e De la Rúa [Fernando de la Rúa, também ex-presidente" desenvolveram, deixando de lado o Mercosul e ficando ao lado dos EUA. Trata-se da perda das soberanias nacionais.
É essencial o fortalecimento do Mercosul. Espero que o futuro presidente tenha uma política mais clara de autonomia e de integração regional. O Mercosul tem de se abrir a pequenos e médios produtores, não apenas às grandes corporações, e tem de haver também integração cultural, política e educativa.

Agência Folha - A pressão dos EUA contra Fidel Castro e a eleição argentina, com o delineamento do que será o Mercosul, fazem, então, o atual momento crucial para o futuro da América Latina?
Esquivel -
Sem dúvida. Cuba é um pretexto para os EUA militarizarem ainda mais a América Latina. Com o ingresso dos nossos países na Alca, os EUA controlariam o continente. Temos de evitar bases militares e promover o fortalecimento regional. O Plano Colômbia e a Tríplice Fronteira [entre Brasil, Argentina e Paraguai" são pontos em que os EUA se preparam para, sob pretextos variados, manter suas bases. Os EUA pensam que podem agredir qualquer país sem a concordância da ONU, isso é muito grave.

Agência Folha - O sr. vê clima para o fortalecimento do Mercosul caso Kirchner vença o segundo turno das eleições argentinas?
Esquivel -
Sim, há clima. O presidente Lula quer, e o Paraguai também. E, no Uruguai, penso que, nas eleições [em 2005", se vencer a Frente Ampla [esquerda", o Mercosul sairá ainda mais fortalecido [o atual presidente, Jorge Batlle, do Partido Colorado, é um forte aliado dos EUA".


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