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AMÉRICAS
Apesar de ser contrário à pena de morte, o Prêmio Nobel da Paz de 1980 mantém seu apoio ao governo de Fidel
Esquivel ataca política dos EUA sobre Cuba
LÉO GERCHMANN
DA AGÊNCIA FOLHA, EM PORTO ALEGRE
O Prêmio Nobel da Paz de 1980,
o argentino Adolfo Pérez Esquivel, pensa que "Cuba é um pretexto para os Estados Unidos militarizarem ainda mais a América Latina". Ele é um dos mais de 160 intelectuais que assinaram, na última semana, um manifesto em
apoio ao regime de Fidel Castro.
A seguir, leia trechos de entrevista que ele concedeu à Agência
Folha, por telefone, de sua casa
em Buenos Aires:
Agência Folha - O sr. integra um
grupo de 160 intelectuais de diversos países, incluindo quatro Prêmio Nobel da Paz, que assinou documento se solidarizando com Cuba e condenando os EUA. O sr. justifica os julgamentos sumários e as
penas de morte aos quais dissidentes foram submetidos nesse país? O
sr. é a favor das execuções?
Adolfo Pérez Esquivel - É importante vermos que essa discussão
tem diversos eixos. Sou contra a
pena de morte em qualquer lugar
do mundo. Em Cuba, também,
mas não só lá. No Texas, o atual
presidente dos Estados Unidos,
George W. Bush, mandou executar 152 pessoas. Isso é um erro em
qualquer lugar, mas temos de
apoiar Cuba para o país não ficar
sozinho, isolado. Há uma campanha contra Cuba, isso está claro, e
é um fato de profunda relevância
para a América Latina.
Não estou de acordo com Saramago [o escritor português comunista José Saramago, Prêmio
Nobel de Literatura, que condenou Cuba pelas execuções" quando diz que "até aqui cheguei" [em
artigo por ele divulgado mundo
afora". Não podemos deixar Cuba
à mercê dos EUA e de atos terroristas que eles incentivam, como
sequestrar barcos, aviões e carros.
Agência Folha - Mas é possível
justificar as execuções em Cuba? Isso não é condenável?
Esquivel - Repito que sou terminantemente contra a pena de
morte. A pena de morte deveria
ser abolida em Cuba e em qualquer outro lugar. Trata-se de uma
discussão legítima e verdadeira.
Mas, atualmente, há a previsão
para a pena de morte na Constituição cubana. Esse é um dos eixos que devem ser discutidos.
Outro é o seguinte: Cuba vem
sofrendo a agressão dos EUA há
40 anos. Por que ninguém fala das
agressões dos EUA? Trata-se de
um intervencionismo permanente. Os EUA posam de democráticos, mas são um país totalitário,
pelo menos para os demais países.
É importante desmascarar essa situação. Frente a atos terroristas
como o sequestro de embarcações, Cuba aplicou sua lei, que
prevê pena de morte, da qual discordo. Temos de buscar uma forma de evitar que Cuba aplique a
pena de morte.
Agência Folha - O sr. fala de eixos,
mas, no caso da guerra do Iraque,
houve críticas à ação militar dos
EUA com uma certa tolerância de
alguns setores da esquerda em relação ao regime ditatorial de Saddam Hussein. Esse também não seria um caso de análise por eixos?
Esquivel - No caso do Iraque, os
chefes dos executivos dos EUA
[Bush", da Espanha [José María
Aznar" e do Reino Unido [Tony
Blair" são criminosos de guerra e
deveriam responder por isso. Eles
invadiram um país que não é
agressor para se apoderar de recursos petrolíferos. Realmente, a
atuação de Saddam é outro eixo.
Agência Folha - A disputa eleitoral na Argentina, entre os peronistas Carlos Menem e Néstor Kirchner, define o futuro da região?
Esquivel - Aqui na Argentina, estamos votando no menos mal,
que é Kirchner. É um voto contra
Menem. Se for eleito, Menem não
só vai destruir o Mercosul, como
também vai apoiar a colonização
dos EUA com a entrada na Alca
[Área de Livre Comércio das
Américas". Isso é a colonização da
América Latina. Há toda uma política que Menem e De la Rúa
[Fernando de la Rúa, também ex-presidente" desenvolveram, deixando de lado o Mercosul e ficando ao lado dos EUA. Trata-se da
perda das soberanias nacionais.
É essencial o fortalecimento do
Mercosul. Espero que o futuro
presidente tenha uma política
mais clara de autonomia e de integração regional. O Mercosul tem
de se abrir a pequenos e médios
produtores, não apenas às grandes corporações, e tem de haver
também integração cultural, política e educativa.
Agência Folha - A pressão dos
EUA contra Fidel Castro e a eleição
argentina, com o delineamento do
que será o Mercosul, fazem, então,
o atual momento crucial para o futuro da América Latina?
Esquivel - Sem dúvida. Cuba é
um pretexto para os EUA militarizarem ainda mais a América Latina. Com o ingresso dos nossos
países na Alca, os EUA controlariam o continente. Temos de evitar bases militares e promover o
fortalecimento regional. O Plano
Colômbia e a Tríplice Fronteira
[entre Brasil, Argentina e Paraguai" são pontos em que os EUA
se preparam para, sob pretextos
variados, manter suas bases. Os
EUA pensam que podem agredir
qualquer país sem a concordância
da ONU, isso é muito grave.
Agência Folha - O sr. vê clima para o fortalecimento do Mercosul caso Kirchner vença o segundo turno
das eleições argentinas?
Esquivel - Sim, há clima. O presidente Lula quer, e o Paraguai também. E, no Uruguai, penso que,
nas eleições [em 2005", se vencer a
Frente Ampla [esquerda", o Mercosul sairá ainda mais fortalecido
[o atual presidente, Jorge Batlle,
do Partido Colorado, é um forte
aliado dos EUA".
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