São Paulo, quinta-feira, 05 de maio de 2005

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ESTRANHOS NO PARAÍSO

Em abril, 4.802 foram detidos na fronteira mexicana, 160 por dia; presos no México vão para prisão abarrotada

Captura de brasileiros nos EUA decuplica

FABIANO MAISONNAVE
ENVIADO ESPECIAL À CIDADE DO MÉXICO

O mineiro João (nome fictício) é um dos cerca de 120 brasileiros presos na superlotada Estação Migratória de Iztapalapa, na capital mexicana, após tentar cruzar ilegalmente a fronteira para os EUA. Enquanto espera a deportação, testemunhou uma rebelião debelada por soldados da tropa de choque e, com problemas respiratórios, é obrigado a dividir a cela com outras 24 pessoas. Mas a sua única reação é chorar. Afinal, João tem apenas um ano e três meses de idade.
Ele e sua mãe, Paloma Lopes dos Santos, 20, de Ibirité (MG), estão entre as várias centenas de brasileiros que tentam cruzar a tumultuada fronteira México-Estados Unidos, mas que, em números cada vez maiores, acabam em precários centros de detenção para imigrantes do lado mexicano antes de serem deportados para o Brasil.
Apesar de a travessia via México estar crescendo constantemente nos últimos anos, nunca houve um salto tão grande de brasileiros tentando emigrar para os EUA em tão pouco tempo como nos últimos dois meses.
Apenas em abril, 4.802 brasileiros foram detidos em território americano da fronteira com o México -uma incrível média de 160 casos diários, segundo dados fornecidos pela Patrulha da Fronteira a pedido da Folha. O número é mais de dez vezes o registrado no mesmo período do ano passado: 443 casos (15 por dia). O Estado do Rio de Janeiro, para comparação, registra uma média de 58 prisões por dia.
Apesar de faltarem cinco meses para o fim do ano fiscal americano de 2005 (de outubro a setembro), o número de brasileiros capturados já é um recorde: 17.063. Se a média de abril se mantiver, o total deste ano chegará a cerca de 41.500. De 1999 até 2004, foram capturados 21.654 brasileiros.
O aumento abrupto da imigração tem provocado um debate entre diplomatas e estudiosos sobre o impacto da novela "América", da Rede Globo, que estreou em meados de março.
Dois diplomatas que lidam com o tema diariamente acreditam que, pelo fato de os imigrantes serem de regiões onde o fenômeno é antigo, o mais provável é que se trate de pessoas incentivadas por amigos ou parentes já estabelecidos nos EUA.
Um deles apontou a recente baixa do dólar diante do real como um possível fator novo, pois diminui o custo da viagem.
Dos brasileiros presos na capital mexicana, 70% são de Minas Gerais, seguidos por Goiás e pelo Paraná, com 10% cada um.
O pesquisador Tiago Jansen, da Universidade de Massachusetts, avalia que ainda é cedo para perceber a influência da novela, mas arrisca na mesma linha: "Talvez tenha servido como um incentivo a mais para quem já estava pensando em emigrar".

Lado mexicano
No bem menos conhecido e muito mais perigoso lado mexicano da travessia para os EUA, os brasileiros são um contingente cada vez maior das precárias estações migratórias.
Segundo o Setor Consular da Embaixada, nunca houve tantos brasileiros ao mesmo tempo na estação de Iztapalapa, para onde são levados após serem presos no arriscado trajeto entre a Cidade do México até a região de fronteira, geralmente em ônibus ou automóveis providenciados pelos atravessadores.
Acabar preso no México é um dos piores cenários para o imigrante brasileiro, pois significa o fim do viagem e vários dias de privação e medo.
Ao contrário do que acontece nos EUA, quase não há chances de liberação, e os brasileiros são deportados no mínimo após oito dias, período em que esperam na superlotada e muitas vezes violenta estação migratória da capital mexicana.
Nos EUA, onde a superlotação é proibida, os imigrantes ilegais brasileiros pegos pela primeira vez cruzando a fronteira são, em geral, liberados. Dos 2.499 brasileiros detidos no Texas em abril, 2.403 foram liberados com o compromisso de comparecerem a uma audiência judicial, marcada para até seis meses após a detenção. Cerca de 90% dos imigrantes notificados não se apresentam, permanecendo ilegalmente nos EUA.
No lado americano, também é proibida a detenção de crianças e de seu acompanhante, que apenas são notificados. No inferno mexicano, bebês e crianças são colocadas em celas junto com as demais presas. Nesta semana, além do bebê, havia também uma goiana de seis anos.
As estatísticas do México são menos atualizadas, mas não deixam dúvidas de que ali o fenômeno imigratório também atingiu níveis recordes.
Em março, por exemplo, houve 1.555 denegações de entrada de brasileiros em aeroportos do país, ou uma média de 50 por dia. É mais do que o dobro da média dos meses de janeiro e fevereiro juntos, quando houve 22 denegações/dia (1.284 casos).
O total de casos de denegação de entrada nos primeiros três meses deste ano ficou em 2.839. Tudo indica que 2005 vá bater o número recorde do ano passado -4.822 (13 por dia).
Desde 2000, quando acabou a exigência de visto para entrar no México, os brasileiros são o maior grupo de estrangeiros deportados dessa forma nos aeroportos do país. No ano passado, o Brasil representou 47,8% do total.

Mortes
Mais preocupante ainda é o aumento de brasileiros mortos no México enquanto se dirigiam à fronteira, com quatro casos e um quinto a ser confirmado somente neste ano. Em 2003 e 2004, houve seis mortes desse tipo.
Nos EUA, houve apenas um caso de brasileiro morto neste ano.
Todos os dados foram fornecidos pelo governo mexicano ao Setor Consular da Embaixada do Brasil no México. A Folha solicitou uma atualização ao Instituto Nacional de Migração, mas não obteve resposta.


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