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ESTRANHOS NO PARAÍSO
Em abril, 4.802 foram detidos na fronteira mexicana, 160 por dia; presos no México vão para prisão abarrotada
Captura de brasileiros nos EUA decuplica
FABIANO MAISONNAVE
ENVIADO ESPECIAL À CIDADE DO MÉXICO
O mineiro João (nome fictício) é
um dos cerca de 120 brasileiros
presos na superlotada Estação
Migratória de Iztapalapa, na capital mexicana, após tentar cruzar
ilegalmente a fronteira para os
EUA. Enquanto espera a deportação, testemunhou uma rebelião
debelada por soldados da tropa
de choque e, com problemas respiratórios, é obrigado a dividir a
cela com outras 24 pessoas. Mas a
sua única reação é chorar. Afinal,
João tem apenas um ano e três
meses de idade.
Ele e sua mãe, Paloma Lopes
dos Santos, 20, de Ibirité (MG),
estão entre as várias centenas de
brasileiros que tentam cruzar a
tumultuada fronteira México-Estados Unidos, mas que, em números cada vez maiores, acabam
em precários centros de detenção
para imigrantes do lado mexicano antes de serem deportados para o Brasil.
Apesar de a travessia via México
estar crescendo constantemente
nos últimos anos, nunca houve
um salto tão grande de brasileiros
tentando emigrar para os EUA
em tão pouco tempo como nos
últimos dois meses.
Apenas em abril, 4.802 brasileiros foram detidos em território
americano da fronteira com o
México -uma incrível média de
160 casos diários, segundo dados
fornecidos pela Patrulha da Fronteira a pedido da Folha. O número é mais de dez vezes o registrado
no mesmo período do ano passado: 443 casos (15 por dia). O Estado do Rio de Janeiro, para comparação, registra uma média de 58
prisões por dia.
Apesar de faltarem cinco meses
para o fim do ano fiscal americano de 2005 (de outubro a setembro), o número de brasileiros capturados já é um recorde: 17.063. Se
a média de abril se mantiver, o total deste ano chegará a cerca de
41.500. De 1999 até 2004, foram
capturados 21.654 brasileiros.
O aumento abrupto da imigração tem provocado um debate entre diplomatas e estudiosos sobre
o impacto da novela "América",
da Rede Globo, que estreou em
meados de março.
Dois diplomatas que lidam com
o tema diariamente acreditam
que, pelo fato de os imigrantes serem de regiões onde o fenômeno
é antigo, o mais provável é que se
trate de pessoas incentivadas por
amigos ou parentes já estabelecidos nos EUA.
Um deles apontou a recente baixa do dólar diante do real como
um possível fator novo, pois diminui o custo da viagem.
Dos brasileiros presos na capital
mexicana, 70% são de Minas Gerais, seguidos por Goiás e pelo Paraná, com 10% cada um.
O pesquisador Tiago Jansen, da
Universidade de Massachusetts,
avalia que ainda é cedo para perceber a influência da novela, mas
arrisca na mesma linha: "Talvez
tenha servido como um incentivo
a mais para quem já estava pensando em emigrar".
Lado mexicano
No bem menos conhecido e
muito mais perigoso lado mexicano da travessia para os EUA, os
brasileiros são um contingente
cada vez maior das precárias estações migratórias.
Segundo o Setor Consular da
Embaixada, nunca houve tantos
brasileiros ao mesmo tempo na
estação de Iztapalapa, para onde
são levados após serem presos no
arriscado trajeto entre a Cidade
do México até a região de fronteira, geralmente em ônibus ou automóveis providenciados pelos
atravessadores.
Acabar preso no México é um
dos piores cenários para o imigrante brasileiro, pois significa o
fim do viagem e vários dias de privação e medo.
Ao contrário do que acontece
nos EUA, quase não há chances
de liberação, e os brasileiros são
deportados no mínimo após oito
dias, período em que esperam na
superlotada e muitas vezes violenta estação migratória da capital
mexicana.
Nos EUA, onde a superlotação é
proibida, os imigrantes ilegais
brasileiros pegos pela primeira
vez cruzando a fronteira são, em
geral, liberados. Dos 2.499 brasileiros detidos no Texas em abril,
2.403 foram liberados com o compromisso de comparecerem a
uma audiência judicial, marcada
para até seis meses após a detenção. Cerca de 90% dos imigrantes
notificados não se apresentam,
permanecendo ilegalmente nos
EUA.
No lado americano, também é
proibida a detenção de crianças e
de seu acompanhante, que apenas são notificados. No inferno
mexicano, bebês e crianças são
colocadas em celas junto com as
demais presas. Nesta semana,
além do bebê, havia também uma
goiana de seis anos.
As estatísticas do México são
menos atualizadas, mas não deixam dúvidas de que ali o fenômeno imigratório também atingiu
níveis recordes.
Em março, por exemplo, houve
1.555 denegações de entrada de
brasileiros em aeroportos do país,
ou uma média de 50 por dia. É
mais do que o dobro da média dos
meses de janeiro e fevereiro juntos, quando houve 22 denegações/dia (1.284 casos).
O total de casos de denegação de
entrada nos primeiros três meses
deste ano ficou em 2.839. Tudo indica que 2005 vá bater o número
recorde do ano passado -4.822
(13 por dia).
Desde 2000, quando acabou a
exigência de visto para entrar no
México, os brasileiros são o maior
grupo de estrangeiros deportados
dessa forma nos aeroportos do
país. No ano passado, o Brasil representou 47,8% do total.
Mortes
Mais preocupante ainda é o aumento de brasileiros mortos no
México enquanto se dirigiam à
fronteira, com quatro casos e um
quinto a ser confirmado somente
neste ano. Em 2003 e 2004, houve
seis mortes desse tipo.
Nos EUA, houve apenas um caso de brasileiro morto neste ano.
Todos os dados foram fornecidos pelo governo mexicano ao Setor Consular da Embaixada do
Brasil no México. A Folha solicitou uma atualização ao Instituto
Nacional de Migração, mas não
obteve resposta.
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