|
Texto Anterior | Próximo Texto | Índice
Ideais de Thatcher revivem 31 anos depois
Tema de fundo da campanha britânica é necessidade de reduzir deficit público e endividamento do país, bandeiras de ex-premiê
"Financial Times" evoca a
"liderança forte" de política
que governou país de 1979
a 1990 ao declarar seu apoio
ao conservador Cameron
CLÓVIS ROSSI
ENVIADO ESPECIAL A LONDRES
O fantasma de Margaret
Thatcher e sua vigorosa desidratação do Estado assombra,
31 anos depois, a eleição britânica de amanhã: o tema de fundo da campanha é justamente a
necessidade de reduzir o deficit
público e o endividamento do
país, as bandeiras de Thatcher
ao ser eleita em 1979.
Dez anos depois, caía o Muro
de Berlim e os partidos de esquerda em toda a Europa correram desabaladamente para o
centro. A ideia de um Estado
enxuto parecia uma característica definitiva do Reino Unido,
da Europa, do resto do mundo
também, embora menos.
Eis, no entanto, que David
Cameron, o líder conservador
-e favorito-, faz campanha
com o lema central de "governo
pequeno, sociedade grande". É
simpático, parece mais liberal
do que conservador, mas o que
é exatamente "sociedade grande" só se saberá se Cameron
vencer e levar adiante o lema.
Eis também que o "Financial
Times", o mais reputado jornal
de economia do planeta, ressuscita não só o lema thatcheriano mas a própria ex-primeira-ministra (1979-1990), em
editorial com direito a chamada na capa para definir-se pelos
conservadores:
"Os problemas que o Reino
Unido enfrenta são de enormes
proporções -mais do que em
qualquer outro momento desde os anos 1970. (...) Uma liderança forte sob Margaret Thatcher fez a diferença em 1979".
O "FT" não equipara Cameron a Thatcher, mas diz que os
conservadores são os mais adequados para encarar o desafio.
O retorno do thatcherismo,
no entanto, se dá em um ambiente bem diferente do de 31
anos atrás. Naquela época, o
mantra liberal era o de que o
peso do Estado (além da força
dos sindicatos) sufocava a economia britânica.
Agora, o Estado voltou a pesar, "um pouco acima de 50%
da economia", segundo a revista "The Economist", que também apoia os conservadores.
Mas o que falta dizer é que o
ressurgimento de um Estado
encorpado não se deveu a uma
decisão ideológica, ao contrário
dos anos 70, mas ao fracasso da
autorregulamentação dos mercados financeiros.
A crise provocada pelos excessos do sistema financeiro
forçou o poder público a despejar uma formidável pilha de libras esterlinas para evitar a
quebra de bancos e o colapso da
economia.
Tanto é assim que a "Economist" informa que mais da metade do deficit público (11,6%
do PIB) desaparecerá assim
que os estímulos fiscais concedidos na crise forem retirados e
os efeitos dela sumirem com a
recuperação da economia.
Nessas circunstâncias, o deficit ficará em 5% do PIB ou 70
bilhões de libras esterlinas
(cerca de R$ 190 bilhões, assim
mesmo número ponderável em
qualquer país).
Consenso
A crise na Grécia, cujo deficit
não é substancialmente maior
do que o do Reino Unido, transformou a redução do buraco em
consenso entre os três principais candidatos britânicos. Falta, porém, definir exatamente
como fazê-lo, se com mais cortes de gastos e menos aumento
de impostos ou vice-versa.
Volta-se aí ao espírito thatcheriano. Diz, por exemplo, Robert Skidelsky, membro da Câmara dos Lordes e professor
emérito da Warwick University: "O corte do gasto público é
mais natural nos conservadores, e eles têm [na campanha
deste ano] tentado fazer dessa
necessidade uma virtude".
Há, no entanto, uma outra face nessa necessidade/virtude,
segundo Skidelsky: o lema "governo pequeno, sociedade
grande, é meramente uma maneira grandiloquente de dizer
que, sob um governo conservador, o próprio povo terá de tomar conta de si".
Concorda o premiê Gordon
Brown: votar nos trabalhistas
"é o meio mais seguro para evitar o risco de acordar na sexta
com um governo que desfaria
nossas grandes conquistas sociais e nossa recuperação econômica e mataria por uma geração o ideal de todos que, apaixonadamente, acreditam em
um boa sociedade".
Fecha-se, assim, o círculo do
regresso aos anos Thatcher: um
lado prega um Estado mais enxuto, o outro diz que, dessa forma, a sociedade é que será lipoaspirada.
As pesquisas mostram que
nenhuma das duas pregações
está sendo até agora capaz de
somar votos suficientes para
dar maioria absoluta a uma delas -exatamente o que aconteceu, pela vez mais recente, em
1974, ano em que houve duas
eleições, as últimas antes do
início da era Thatcher.
Texto Anterior: EUA prendem suspeito de ataque frustrado Próximo Texto: Frases Índice
|