São Paulo, domingo, 05 de junho de 2005

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Líder autonomista não crê em conciliação

ROGERIO WASSERMANN
COLABORAÇÃO PARA A FOLHA,

EM SANTA CRUZ DE LA SIERRA
Lutando há mais de quatro anos pela autonomia do oriente boliviano -ou pela autodeterminação de seus habitantes, como prefere chamar-, o escritor e jornalista Ángel Sandoval, 53, considera que a situação de conflito que vive hoje a Bolívia é resultado das "contradições históricas" que uniu duas culturas diferentes sob a mesma bandeira.
Fundador do grupo autonomista radical Movimento Nação Camba, Sandoval nega ser separatista e afirma defender "um Estado binacional", mas não descarta a possibilidade de uma guerra civil que levaria à separação dos departamentos de Santa Cruz, Beni, Pando e Tarija caso o projeto de autonomia não siga adiante.
O líder também nega a acusação de que o interesse de seu movimento seja controlar os recursos naturais de sua região e proteger a maioria mestiça do oriente boliviano contra a ascensão na política nacional da maioria indígena do altiplano ao oeste do país. Para Sandoval, o que está em questão hoje na Bolívia é uma luta entre "dois modelos", um de "empreendedorismo, livre iniciativa e defesa de garantias legais", no oriente, contra outro "estatista, de bloqueios, protestos e violência", no altiplano.
Leia a seguir a entrevista que ele concedeu à Folha no centro de Santa Cruz de la Sierra, na sede de seu movimento, que ele afirma contar hoje com mais de 25 mil afiliados.

Folha - O que é a Nação Camba?
Ángel Sandoval -
O camba é o resultado da mestiçagem dos espanhóis com os indígenas a partir da fundação de Santa Cruz de la Sierra. É uma cultura comum a toda a região geográfica. Não há diferença entre mim, cruceno, e alguém de Riberalta (no departamento boliviano de Beni), de Guajará-mirim (em Rondônia), ou do Chaco paraguaio. Tanto nós como vocês brasileiros somos descendentes dos guaranis. Começando do limite com o Uruguai, toda esta zona do Paraguai, Chiquitos, Santa Cruz, Porto Alegre, até o Rio de Janeiro, todos têm origem semelhante.

Folha - Nas eleições de 2002 emergiram partidos como o MAS (Movimento ao Socialismo) e o MIP (Movimento Indígena Pachakuti), com um discurso baseado no indigenismo, centrados no altiplano boliviano. O Movimento Nação Camba pode ser considerado uma reação a esse processo?
Sandoval -
Na Bolívia existem dois grandes agrupamentos: uma cultura andina, quéchua/aymará, e do outro lado nossa cultura. Nós temos origem hispânica, guarani, chiquitana (povos do sul do departamento de Santa Cruz) e moxena (indígenas originários do departamento de Beni). O resultado das eleições de 2002 mostra bem essa divisão.
Existe um plano de organizações como a de Felipe Quispe (líder do MIP) de dominar Santa Cruz. Por eles, seriam donos até do Rio de Janeiro.
Nós temos uma cultura própria, somos uma nação. O problema é que nem os da nação colla (originários do altiplano boliviano) nem os da nação camba se sentem representados pelo Estado boliviano. Nossa divisão é natural. A própria geografia nos divide.

Folha - Os críticos dizem que o movimento pela autonomia visa controlar os recursos naturais da região.
Sandoval -
Antes da chegada dos espanhóis já havia tremendas guerras raciais, exatamente sobre essa zona onde estão as reservas de gás. Já existia essa diferença.
Nós temos uma posição bem definida em relação a isso. Consideramos os recursos naturais crucenos propriedade inalienável da Nação Camba. É um direito natural e histórico. Nós temos gás, petróleo, ferro, riqueza madeireira, ganadeira. Esta zona é a mais rica da América do Sul.
Reivindicamos o direito dos crucenos, como o direito à terra. Porque somos excluídos em nosso próprio território. O Estado nos marginalizou, sempre deu terras daqui para as pessoas do ocidente.

Folha - Não seria ruim concentrar o poder econômico e político num só espaço?
Sandoval -
O problema é que nossas divisões culturais são muito fortes. O oriente é diferente. Nosso desenvolvimento é produto de iniciativa privada e coletiva. No ocidente, por sua vez, tudo sempre foi concessão estatal, dependem do Estado para tudo. Então, quando veio o decreto 21.060 (que promoveu o ajuste econômico e o programa de estabilização, em 1985), isso não nos afetou, porque já éramos neoliberais. Mas afetou muito o ocidente, porque afetou a mineração estatal, por exemplo.

Folha - Qual sua posição sobre o referendo sobre autonomia regional [marcado para 16 de outubro]?
Sandoval -
Apoiamos. Achamos que o processo de autonomia deve vir de baixo para cima. Defendemos a autodeterminação.

Folha - Existe a possibilidade da divisão do oriente boliviano para a criação de um país chamado Nação Camba?
Sandoval -
Nosso ponto principal é a autonomia departamental para mudar a estrutura centralizadora do Estado boliviano. Mas enquanto não resolvermos as contradições históricas entre o oriente e o ocidente, que respondem a duas lógicas diferentes, a dois processos históricos e econômicos também diferentes, o problema da Bolívia não será resolvido. Sempre estará latente o problema da desintegração ou a divisão do país.
O que propomos é a criação de um Estado binacional, no qual essas duas culturas conformem seu próprio governo dentro do Estado boliviano.


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