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Líder autonomista não crê em conciliação
ROGERIO WASSERMANN
COLABORAÇÃO PARA A FOLHA,
EM SANTA CRUZ DE LA SIERRA
Lutando há mais de quatro anos
pela autonomia do oriente boliviano -ou pela autodeterminação de seus habitantes, como prefere chamar-, o escritor e jornalista Ángel Sandoval, 53, considera que a situação de conflito que
vive hoje a Bolívia é resultado das
"contradições históricas" que
uniu duas culturas diferentes sob
a mesma bandeira.
Fundador do grupo autonomista radical Movimento Nação
Camba, Sandoval nega ser separatista e afirma defender "um Estado binacional", mas não descarta a possibilidade de uma guerra
civil que levaria à separação dos
departamentos de Santa Cruz, Beni, Pando e Tarija caso o projeto
de autonomia não siga adiante.
O líder também nega a acusação
de que o interesse de seu movimento seja controlar os recursos
naturais de sua região e proteger a
maioria mestiça do oriente boliviano contra a ascensão na política nacional da maioria indígena
do altiplano ao oeste do país. Para
Sandoval, o que está em questão
hoje na Bolívia é uma luta entre
"dois modelos", um de "empreendedorismo, livre iniciativa e
defesa de garantias legais", no
oriente, contra outro "estatista, de
bloqueios, protestos e violência",
no altiplano.
Leia a seguir a entrevista que ele
concedeu à Folha no centro de
Santa Cruz de la Sierra, na sede de
seu movimento, que ele afirma
contar hoje com mais de 25 mil
afiliados.
Folha - O que é a Nação Camba?
Ángel Sandoval - O camba é o resultado da mestiçagem dos espanhóis com os indígenas a partir da
fundação de Santa Cruz de la Sierra. É uma cultura comum a toda a
região geográfica. Não há diferença entre mim, cruceno, e alguém
de Riberalta (no departamento
boliviano de Beni), de Guajará-mirim (em Rondônia), ou do
Chaco paraguaio. Tanto nós como vocês brasileiros somos descendentes dos guaranis. Começando do limite com o Uruguai,
toda esta zona do Paraguai, Chiquitos, Santa Cruz, Porto Alegre,
até o Rio de Janeiro, todos têm
origem semelhante.
Folha - Nas eleições de 2002
emergiram partidos como o MAS
(Movimento ao Socialismo) e o MIP
(Movimento Indígena Pachakuti),
com um discurso baseado no indigenismo, centrados no altiplano
boliviano. O Movimento Nação
Camba pode ser considerado uma
reação a esse processo?
Sandoval - Na Bolívia existem
dois grandes agrupamentos: uma
cultura andina, quéchua/aymará,
e do outro lado nossa cultura. Nós
temos origem hispânica, guarani,
chiquitana (povos do sul do departamento de Santa Cruz) e moxena (indígenas originários do
departamento de Beni). O resultado das eleições de 2002 mostra
bem essa divisão.
Existe um plano de organizações como a de Felipe Quispe (líder do MIP) de dominar Santa
Cruz. Por eles, seriam donos até
do Rio de Janeiro.
Nós temos uma cultura própria,
somos uma nação. O problema é
que nem os da nação colla (originários do altiplano boliviano)
nem os da nação camba se sentem
representados pelo Estado boliviano. Nossa divisão é natural. A
própria geografia nos divide.
Folha - Os críticos dizem que o
movimento pela autonomia visa
controlar os recursos naturais da
região.
Sandoval - Antes da chegada dos
espanhóis já havia tremendas
guerras raciais, exatamente sobre
essa zona onde estão as reservas
de gás. Já existia essa diferença.
Nós temos uma posição bem
definida em relação a isso. Consideramos os recursos naturais crucenos propriedade inalienável da
Nação Camba. É um direito natural e histórico. Nós temos gás, petróleo, ferro, riqueza madeireira,
ganadeira. Esta zona é a mais rica
da América do Sul.
Reivindicamos o direito dos
crucenos, como o direito à terra.
Porque somos excluídos em nosso próprio território. O Estado
nos marginalizou, sempre deu
terras daqui para as pessoas do
ocidente.
Folha - Não seria ruim concentrar
o poder econômico e político num
só espaço?
Sandoval - O problema é que
nossas divisões culturais são muito fortes. O oriente é diferente.
Nosso desenvolvimento é produto de iniciativa privada e coletiva.
No ocidente, por sua vez, tudo
sempre foi concessão estatal, dependem do Estado para tudo. Então, quando veio o decreto 21.060
(que promoveu o ajuste econômico e o programa de estabilização,
em 1985), isso não nos afetou,
porque já éramos neoliberais.
Mas afetou muito o ocidente, porque afetou a mineração estatal,
por exemplo.
Folha - Qual sua posição sobre o
referendo sobre autonomia regional [marcado para 16 de outubro]?
Sandoval - Apoiamos. Achamos
que o processo de autonomia deve vir de baixo para cima. Defendemos a autodeterminação.
Folha - Existe a possibilidade da
divisão do oriente boliviano para a
criação de um país chamado Nação
Camba?
Sandoval - Nosso ponto principal é a autonomia departamental
para mudar a estrutura centralizadora do Estado boliviano. Mas
enquanto não resolvermos as
contradições históricas entre o
oriente e o ocidente, que respondem a duas lógicas diferentes, a
dois processos históricos e econômicos também diferentes, o problema da Bolívia não será resolvido. Sempre estará latente o problema da desintegração ou a divisão do país.
O que propomos é a criação de
um Estado binacional, no qual essas duas culturas conformem seu
próprio governo dentro do Estado boliviano.
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