|
Texto Anterior | Próximo Texto | Índice
Crise expõe dilemas da UE e agrava divisões internas
MÁRCIO SENNE DE MORAES
DA REDAÇÃO
O claro triunfo dos opositores à
adoção da Constituição da União
Européia na França, no último
domingo, e na Holanda, na quarta-feira, mergulhou a o bloco numa das maiores crises de sua história e agravou divisões internas.
A gravidade da situação é tanta
que, nos últimos dias, a França, a
Alemanha e Luxemburgo, que
ocupa a presidência rotativa da
UE até o final de junho, se uniram
para tentar conter a intenção britânica de abortar o processo de
ratificação da Carta européia.
Ontem, o presidente francês,
Jacques Chirac, e o primeiro-ministro alemão, Gerhard Schroeder, se encontraram em Berlim e
anunciaram que concordavam
que "o processo constitucional
deve continuar" e a Carta deve ser
votada nos demais países. (Também ontem, o ex-primeiro-ministro francês Laurent Fabius, que
fez campanha pelo "não", foi excluído da direção do Partido Socialista francês.)
A posição do Reino Unido decorre em parte de questões domésticas, pois o premiê Tony
Blair sabe que terá muita dificuldade em obter a anuência da população ao texto.
Mesmo assim, é inegável que
duas correntes se enfrentam
atualmente no seio da UE: a que
busca acelerar o processo para
combater o imobilismo e a que
quer uma pausa para analisar as
conseqüências dos recentes reveses eleitorais e as aspirações das
diferentes populações européias.
O imobilismo será incontornável se o processo de ratificação se
mantiver conforme está planejado, já que o prazo final para a ratificação da Constituição pelos Estados-membros termina, teoricamente, em novembro de 2006.
Ou seja, o Conselho Europeu, a
maior instância de tomada de decisões políticas da UE, não poderá
examinar a situação gerada pelo
"não" de alguns países antes disso. Afinal, segundo a Declaração
30 -que foi anexada ao tratado
constitucional-, se pelo menos
80% dos membros aprovarem o
texto, o órgão decidirá o que fazer
com os que não o fizerem.
O imobilismo é ainda mais provável no que diz respeito ao aprofundamento da integração européia, visto que, se a Carta não for
adotada ao cabo do processo de
ratificação, o Tratado de Nice
(2000) se manterá em vigor.
Com isso, a maior parte das decisões só poderá ser tomada de
modo unânime, o que é muito difícil num clube de 25 sócios, e os
Estados mais ricos e populosos
continuarão enfraquecidos em
benefício dos menores no que
tange ao sistema de votação.
Por outro lado, o custo político
deverá ser alto para os líderes europeus que não derem ouvidos às
urnas e buscarem dar impulso ao
aprofundamento, apesar das derrotas eleitorais. Vale frisar que as
vitórias do "não" na França e na
Holanda foram uma clara mensagem contra a UE, embora também estivessem carregadas de um
sólido sentimento antigoverno.
Também é fato que dois temas
estão no topo da agência política
européia: a continuidade do processo de expansão do bloco e a necessidade de aprofundar sua integração política para torná-lo governável com ao menos 25 países.
Nas condições atuais, apenas a
Bulgária e a Romênia poderão entrar no bloco. Isso ocorrerá em
2007. Porém as negociações já começadas com países dos Bálcãs e
as que começarão em breve com a
Turquia e com a Ucrânia terão de
ser abortadas. Afinal, o Tratado
de Nice não permite que haja novas expansões sem ocorrência de
um caos administrativo.
É preciso também ressaltar que,
na França e na Holanda, uma das
razões da aversão do eleitorado à
Constituição da UE diz respeito
ao fato de a expansão do bloco ao
Leste Europeu não ter sido objeto
de uma consulta popular. É irrefutável, ademais, que um forte
componente xenófobo maculou a
campanha nos dois países.
Assim, as populações européias
colocaram em xeque futuras expansões, e a Turquia é o maior alvo do temor popular. Embora os
trabalhadores desqualificados do
leste ponham medo porque podem "roubar empregos" nos Estados ricos, a entrada da majoritariamente muçulmana Turquia
"desvirtuaria a essência" do bloco, de acordo com diferentes correntes políticas e populares.
O aprofundamento da integração política também amedronta
uma parcela considerável das populações européias, pois põe em
risco a "soberania nacional". Na
Holanda, é comum a frase: "A Europa é tão grande, e somos tão pequenos". Na França, o desabafo:
"Os burocratas de Bruxelas querem destruir nossos serviços públicos e cortar nossos benefícios".
Ora, parece estar claro que, apesar de ser necessário para o bom
funcionamento do bloco, o aprofundamento da integração política terá de ocorrer mais lentamente e conforme certos anseios das
populações. Tudo terá ainda de
ser mais bem explicado aos eleitores, visto que, tanto na França
quanto na Holanda, a campanha
do "sim" foi desastrosa.
Finalmente, é inevitável constatar que a UE precisa de um novo
elã, mas parece ser pouco provável que ele venha da Constituição.
Cabe aos europeus, que, em sua
maioria, querem uma "Europa
diferente", esperar que sua classe
política, que se vem mostrando
bem pouco criativa ou eficaz nos
últimos anos, encontre uma solução aceitável para todos.
O problema é que, como determina o Tratado de Nice, alterações no texto teriam de ser decididas por unanimidade pelo clube
dos 25...
Texto Anterior: Artigo: A Europa e os referendos Próximo Texto: Iraque sob tutela: Como Zarqawi virou o pior inimigo dos EUA Índice
|