São Paulo, domingo, 05 de junho de 2005

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Crise expõe dilemas da UE e agrava divisões internas

MÁRCIO SENNE DE MORAES
DA REDAÇÃO

O claro triunfo dos opositores à adoção da Constituição da União Européia na França, no último domingo, e na Holanda, na quarta-feira, mergulhou a o bloco numa das maiores crises de sua história e agravou divisões internas.
A gravidade da situação é tanta que, nos últimos dias, a França, a Alemanha e Luxemburgo, que ocupa a presidência rotativa da UE até o final de junho, se uniram para tentar conter a intenção britânica de abortar o processo de ratificação da Carta européia.
Ontem, o presidente francês, Jacques Chirac, e o primeiro-ministro alemão, Gerhard Schroeder, se encontraram em Berlim e anunciaram que concordavam que "o processo constitucional deve continuar" e a Carta deve ser votada nos demais países. (Também ontem, o ex-primeiro-ministro francês Laurent Fabius, que fez campanha pelo "não", foi excluído da direção do Partido Socialista francês.)
A posição do Reino Unido decorre em parte de questões domésticas, pois o premiê Tony Blair sabe que terá muita dificuldade em obter a anuência da população ao texto.
Mesmo assim, é inegável que duas correntes se enfrentam atualmente no seio da UE: a que busca acelerar o processo para combater o imobilismo e a que quer uma pausa para analisar as conseqüências dos recentes reveses eleitorais e as aspirações das diferentes populações européias.
O imobilismo será incontornável se o processo de ratificação se mantiver conforme está planejado, já que o prazo final para a ratificação da Constituição pelos Estados-membros termina, teoricamente, em novembro de 2006.
Ou seja, o Conselho Europeu, a maior instância de tomada de decisões políticas da UE, não poderá examinar a situação gerada pelo "não" de alguns países antes disso. Afinal, segundo a Declaração 30 -que foi anexada ao tratado constitucional-, se pelo menos 80% dos membros aprovarem o texto, o órgão decidirá o que fazer com os que não o fizerem.
O imobilismo é ainda mais provável no que diz respeito ao aprofundamento da integração européia, visto que, se a Carta não for adotada ao cabo do processo de ratificação, o Tratado de Nice (2000) se manterá em vigor.
Com isso, a maior parte das decisões só poderá ser tomada de modo unânime, o que é muito difícil num clube de 25 sócios, e os Estados mais ricos e populosos continuarão enfraquecidos em benefício dos menores no que tange ao sistema de votação.
Por outro lado, o custo político deverá ser alto para os líderes europeus que não derem ouvidos às urnas e buscarem dar impulso ao aprofundamento, apesar das derrotas eleitorais. Vale frisar que as vitórias do "não" na França e na Holanda foram uma clara mensagem contra a UE, embora também estivessem carregadas de um sólido sentimento antigoverno.
Também é fato que dois temas estão no topo da agência política européia: a continuidade do processo de expansão do bloco e a necessidade de aprofundar sua integração política para torná-lo governável com ao menos 25 países.
Nas condições atuais, apenas a Bulgária e a Romênia poderão entrar no bloco. Isso ocorrerá em 2007. Porém as negociações já começadas com países dos Bálcãs e as que começarão em breve com a Turquia e com a Ucrânia terão de ser abortadas. Afinal, o Tratado de Nice não permite que haja novas expansões sem ocorrência de um caos administrativo.
É preciso também ressaltar que, na França e na Holanda, uma das razões da aversão do eleitorado à Constituição da UE diz respeito ao fato de a expansão do bloco ao Leste Europeu não ter sido objeto de uma consulta popular. É irrefutável, ademais, que um forte componente xenófobo maculou a campanha nos dois países.
Assim, as populações européias colocaram em xeque futuras expansões, e a Turquia é o maior alvo do temor popular. Embora os trabalhadores desqualificados do leste ponham medo porque podem "roubar empregos" nos Estados ricos, a entrada da majoritariamente muçulmana Turquia "desvirtuaria a essência" do bloco, de acordo com diferentes correntes políticas e populares.
O aprofundamento da integração política também amedronta uma parcela considerável das populações européias, pois põe em risco a "soberania nacional". Na Holanda, é comum a frase: "A Europa é tão grande, e somos tão pequenos". Na França, o desabafo: "Os burocratas de Bruxelas querem destruir nossos serviços públicos e cortar nossos benefícios".
Ora, parece estar claro que, apesar de ser necessário para o bom funcionamento do bloco, o aprofundamento da integração política terá de ocorrer mais lentamente e conforme certos anseios das populações. Tudo terá ainda de ser mais bem explicado aos eleitores, visto que, tanto na França quanto na Holanda, a campanha do "sim" foi desastrosa.
Finalmente, é inevitável constatar que a UE precisa de um novo elã, mas parece ser pouco provável que ele venha da Constituição.
Cabe aos europeus, que, em sua maioria, querem uma "Europa diferente", esperar que sua classe política, que se vem mostrando bem pouco criativa ou eficaz nos últimos anos, encontre uma solução aceitável para todos.
O problema é que, como determina o Tratado de Nice, alterações no texto teriam de ser decididas por unanimidade pelo clube dos 25...


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