São Paulo, sexta-feira, 05 de junho de 2009

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análise

Obama avança na disputa contra Osama

SÉRGIO DÁVILA
DE WASHINGTON

Barack Hussein Obama avançou algumas casas sobre Osama bin Laden na luta pelos corações e mentes dos muçulmanos em seu discurso de ontem. Dita horas depois de o líder da Al Qaeda ter soltado a primeira gravação desde janeiro com críticas ao americano, a fala do presidente democrata foi honesta, direta e despida de preconceitos o tanto quanto era politicamente possível naquela situação.
Obama tratou sem rodeios de questões espinhosas. Foi o primeiro presidente no cargo a admitir o papel dos EUA no golpe que derrubou o governo democraticamente eleito do Irã, em 1953. Criticou os assentamentos judeus e chamou o conjunto de refugiados palestinos de "Palestina". Usou 6.000 palavras, e nenhuma delas era "terror" ou suas variantes.
Mas também criticou a intolerância religiosa que a leitura mais ortodoxa do Corão pode promover. Disse que religião não é desculpa para opressão das mulheres. E exigiu reciprocidade no fim dos preconceitos, dizendo que os EUA não cabem no estereótipo de um império egoísta. Era a "Doutrina Obama" em ação, segundo os preceitos que ele próprio delineou na Cúpula das Américas, em Trinidad e Tobago.
O que para a parte mais conservadora de seu público doméstico pode parecer concessão é na verdade estratégia. Obama começou a preparar esse discurso dias depois de ser eleito, ainda em novembro do ano passado. Encontrou-se com lideranças árabes, israelenses e iranianas de diversas tendências, em reuniões nas quais mais ouvia do que falava.
Seu objetivo é chegar ao que o senso comum chama de "rua árabe", o zunzunzum das mesas de chá e dos bazares no Cairo e em Gaza, em Bagdá e Damasco. É um erro comum, pelo menos no mundo árabe, imaginar que o poderio de comunicação americano não tem páreo. A maior parte desse povo vive sob governos autoritários, que controlam o fluxo da comunicação de acordo com o interesse político da hora.
Armado de cassetes e fitas VHS gravadas em cavernas, Osama encontra tanto ou mais abrigo nas emissoras árabes do que Obama e sua máquina de propaganda, por mais sofisticada que seja -o discurso de ontem foi distribuído em tempo real em posts em blogs e sites de relacionamento social como Facebook, mensagens por celular e no Twitter.
Se o poderio viral de ambos é semelhante, o democrata tenta se destacar pelo conteúdo. A julgar pela reação imediata aferível, saiu na frente. Comentaristas árabes fizeram análises generosas do discurso, e tom mais ou menos similar era encontrado em sites da região escritos em inglês. No salão da Universidade do Cairo onde falava, Obama foi interrompido 20 vezes. Não por protestos, mas por aplausos.
Segundo a "2009 Annual Arab Public Opinion Survey", pesquisa do instituto Zogby International e da Universidade de Maryland feita entre habitantes dos países do Oriente Médio, 60% admiram o novo presidente, ante 16% que dizem o mesmo de Osama bin Laden. A diferença é alta. Mas 78% têm uma visão desfavorável em relação aos Estados Unidos. E apenas 40% dizem o mesmo da Al Qaeda.
Ou seja, Obama ainda joga com o fato de não ser George W. Bush, mas a entidade que ele representa tem menos prestígio local que o grupo responsável pelo 11 de Setembro. No meio do discurso de ontem, uma das pessoas gritou: "Obama, nós te amamos!". Os próximos meses dirão se ela falava sozinha.


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