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análise
Obama avança na disputa contra Osama
SÉRGIO DÁVILA
DE WASHINGTON
Barack Hussein Obama
avançou algumas casas sobre
Osama bin Laden na luta pelos corações e mentes dos
muçulmanos em seu discurso de ontem. Dita horas depois de o líder da Al Qaeda
ter soltado a primeira gravação desde janeiro com críticas ao americano, a fala do
presidente democrata foi honesta, direta e despida de
preconceitos o tanto quanto
era politicamente possível
naquela situação.
Obama tratou sem rodeios
de questões espinhosas. Foi
o primeiro presidente no
cargo a admitir o papel dos
EUA no golpe que derrubou
o governo democraticamente eleito do Irã, em 1953. Criticou os assentamentos judeus e chamou o conjunto de
refugiados palestinos de "Palestina". Usou 6.000 palavras, e nenhuma delas era
"terror" ou suas variantes.
Mas também criticou a intolerância religiosa que a leitura mais ortodoxa do Corão
pode promover. Disse que
religião não é desculpa para
opressão das mulheres. E
exigiu reciprocidade no fim
dos preconceitos, dizendo
que os EUA não cabem no estereótipo de um império
egoísta. Era a "Doutrina
Obama" em ação, segundo os
preceitos que ele próprio delineou na Cúpula das Américas, em Trinidad e Tobago.
O que para a parte mais
conservadora de seu público
doméstico pode parecer concessão é na verdade estratégia. Obama começou a preparar esse discurso dias depois de ser eleito, ainda em
novembro do ano passado.
Encontrou-se com lideranças árabes, israelenses e iranianas de diversas tendências, em reuniões nas quais
mais ouvia do que falava.
Seu objetivo é chegar ao
que o senso comum chama
de "rua árabe", o zunzunzum
das mesas de chá e dos bazares no Cairo e em Gaza, em
Bagdá e Damasco. É um erro
comum, pelo menos no
mundo árabe, imaginar que o
poderio de comunicação
americano não tem páreo. A
maior parte desse povo vive
sob governos autoritários,
que controlam o fluxo da comunicação de acordo com o
interesse político da hora.
Armado de cassetes e fitas
VHS gravadas em cavernas,
Osama encontra tanto ou
mais abrigo nas emissoras
árabes do que Obama e sua
máquina de propaganda, por
mais sofisticada que seja -o
discurso de ontem foi distribuído em tempo real em
posts em blogs e sites de relacionamento social como Facebook, mensagens por celular e no Twitter.
Se o poderio viral de ambos é semelhante, o democrata tenta se destacar pelo
conteúdo. A julgar pela reação imediata aferível, saiu na
frente. Comentaristas árabes
fizeram análises generosas
do discurso, e tom mais ou
menos similar era encontrado em sites da região escritos
em inglês. No salão da Universidade do Cairo onde falava, Obama foi interrompido
20 vezes. Não por protestos,
mas por aplausos.
Segundo a "2009 Annual
Arab Public Opinion Survey", pesquisa do instituto
Zogby International e da
Universidade de Maryland
feita entre habitantes dos
países do Oriente Médio,
60% admiram o novo presidente, ante 16% que dizem o
mesmo de Osama bin Laden.
A diferença é alta. Mas 78%
têm uma visão desfavorável
em relação aos Estados Unidos. E apenas 40% dizem o
mesmo da Al Qaeda.
Ou seja, Obama ainda joga
com o fato de não ser George
W. Bush, mas a entidade que
ele representa tem menos
prestígio local que o grupo
responsável pelo 11 de Setembro. No meio do discurso
de ontem, uma das pessoas
gritou: "Obama, nós te amamos!". Os próximos meses
dirão se ela falava sozinha.
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