São Paulo, domingo, 05 de junho de 2011

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ANÁLISE

País elege um "fanático da dor" para se tornar o líder da nação

CLÓVIS ROSSI
COLUNISTA DA FOLHA

Portugal elege hoje um dos líderes que o Nobel de Economia Paul Krugman chama de "fanáticos da dor". São aqueles que "sustentam que subir os juros e cortar o gasto público, mesmo diante de um desemprego em massa, melhorará de alguma maneira as coisas, em lugar de piorá-las".
Afinal, os dois únicos candidatos com reais chances de vencer -o socialista José Sócrates, primeiro-ministro em funções, e o conservador Pedro Passos Coelho, principal líder opositor- uniram-se para impor três pacotes de austeridade, na forma de corte de gastos e aumento de impostos, desde março de 2010.
Tudo o que conseguiram foi provocar dor, como diz Krugman. Tanto que até o BP (Banco de Portugal), o banco central, diz que o quadro macroeconômico "é particularmente severo", caracterizado por recessão de "magnitude elevada, que persistirá em 2012".
O BP avisa ainda que a recessão prevista "será acompanhada de uma contração sem precedentes do rendimento disponível real das famílias e de novos aumentos da taxa de desemprego".
Desemprego que já é recorde, na altura de 12,6%. Para a CGTP (Confederação Geral dos Trabalhadores Portugueses), os desempregados já são 778 mil ou 13,5%.
O PSD de Passos Coelho (Partido Social Democrata, conservador apesar do nome) só não votou a favor de um quarto pacote de austeridade por uma questão de poder. Sabia que, rejeitado o pacote, Sócrates pediria demissão e eleições antecipadas seriam convocadas, o que de fato aconteceu.
Com uma agravante: depois de recusado o quarto pacote, a pressão dos mercados forçou Sócrates a pedir ajuda internacional, que está vindo condicionada a mais aperto.
O PSD, grande favorito, não é contra mais austeridade. Ao contrário: acha até que uma vitória hoje seria "uma oportunidade única, desde 1974, de mudar o regime econômico". No ano de 1974, a chamada "Revolução dos Cravos" derrubou uma ditadura de 42 anos.
Foi a revolução que começou a aproximar Portugal da Europa, inclusive em termos de benefícios sociais, agora em vias de redução.
Exemplo: no mês de abril, 636 mil famílias deixaram de receber o salário-família, cortado em novembro. Não é à toa que surgiu, em março, um movimento espontâneo, à margem dos partidos, batizado de "Geração à Rasca" (abandonada, perdida).
É conduzido basicamente por jovens, pela "geração com o melhor nível educacional da história", como diz João Labrincha, 27, um dos porta-vozes.Também a melhoria na educação é fruto da Revolução dos Cravos e da modernização que foi trazendo pouco a pouco ao país.
É um pouco esse acervo -compatível, de resto, com os valores europeus- que estará em jogo hoje. Mas a margem de escolha é demasiado estreita.


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