São Paulo, domingo, 5 de julho de 1998

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Nacionalismo ergue templo hindu em sigilo

da Redação


A Índia, sociedade de cultura milenar, segundo país mais populoso do planeta e uma potência nuclear, experimenta o sabor do nacionalismo.
No poder desde março, o partido nacionalista Bharatiya Janata (BJP), cujo símbolo está ao lado, patrocinou uma aventura ao realizar testes atômicos, com o objetivo de enviar recados a dois vizinhos com quem coleciona rivalidades: a China e o Paquistão. As explosões nucleares, realizadas em maio, detonaram resposta paquistanesa. O país muçulmano promoveu testes nucleares, com ajuda de tecnologia chinesa, para mostrar à Índia sua capacidade de destruição. Os EUA e aliados impuseram sanções econômicas a essas ex-colônias do Reino Unido.
Desde o fim do domínio britânico, em 1947, Índia e Paquistão já se enfrentaram em três guerras. A disputa pelo território da Caxemira (de população muçulmana, mas com dois terços sob controle indiano) alimenta a tensão no sul da Ásia.
Os nacionalistas, embalados por sua primeira experiência no poder, constroem um templo hindu num local que assistiu à destruição de uma mesquita em 1992, em conflito responsável pela morte de centenas de pessoas. O oceano populacional da Índia abriga 93 milhões de muçulmanos, cerca de 10% dos habitantes do país. Um conflito religioso jogaria mais combustível na instabilidade que ronda o subcontinente indiano.
O fantasma do nacionalismo e do fundamentalismo religioso desponta como um dos principais responsáveis pelo derramamento de sangue neste fim de século. Iugoslávia e Argélia são exemplos. Na Índia, a intolerância deixaria um rastro ainda maior de destruição.

PETER POPHAM
do "The Independent", em Nova Déli

Na semana passada, a Índia levou um susto ao descobrir que a construção mais controvertida do país, o templo ao deus Ram, que os nacionalistas hindus querem erguer no suposto local do nascimento do deus, vem sendo realizada em sigilo há sete anos.
O local em que se pretende erguer o templo -a cidade de Ayodhya, no norte da Índia- é como uma zona de guerra. Foi lá que, em 1992, a destruição da antiga mesquita de Babri Masjid por nacionalistas hindus desencadeou conflitos com muçulmanos que resultaram em centenas de mortes em todo o país.
O local é cercado por arame farpado e torres de vigias. Soldados patrulham as ruínas da mesquita 24 horas por dia. Pela lei, nada pode ser construído até que os tribunais concluam os processos.
O fato que veio à tona é que as obras do templo começaram em 1991, com apenas oito artesãos especializados. Mas, no final de 1995, quando as contribuições para a obra chegaram a mais de 1 milhão de libras esterlinas, os trabalhos começaram a sério.
A notícia da construção sigilosa do templo de Ayodhya chocou os partidos de oposição e provocou um baque no governo liderado pelo partido nacionalista Bharatiya Janata (BJP), ainda animado com os recentes testes nucleares.
O secretário-geral do Vishwa Hindu Parishad (VHP), uma das organizações extremistas hindus responsáveis pela construção do templo, colocou lenha na fogueira ao dizer que a construção do templo, 25% da qual já estaria pronta, poderá começar no prazo de dois anos e será iniciada quer o BJP ainda esteja ou não no poder.
"Nenhum poder na Terra", disse o líder do VHP, "nem a Suprema Corte, vai impedir a construção do templo em Ayodhya".
A construção do templo de Ram foi um dos pilares centrais da plataforma eleitoral do BJP. O ministro do Interior, Lal Krishna Advani, e outros ministros do BJP enfrentam acusações criminais pelo papel que desempenharam na demolição da mesquita.
Quando confrontado pela oposição, Advani respondeu com uma declaração pouco convincente. "Não vamos avançar além do programa de governo. As determinações da Justiça com relação a Ayodhya vêm sendo obedecidas."
Meca dos nacionalistas
Ayodhya é um lugar tenso e sombrio porque é onde se concentra a energia coletiva dos nacionalistas hindus -é o lugar que escolheram para defender até a morte.
Ram é uma figura mítica. A idéia de que tenha nascido em algum lugar, como nasceram Buda, Jesus ou Maomé, só possui sentido para os muito devotos.
Ademais, a própria figura de Ram constitui um acréscimo relativamente recente ao hinduísmo. Na condição de divindade infantil, ele era adorado pelos devotos de Vishnu, e no épico "Ramayana" é retratado como monarca cujo reinado ficava no norte do país. Mas o VHP incrementou sua imagem até transformá-la na do poderoso governante de toda a nação.
Apesar disso, a queixa dos hindus é fundamentada: é verdade que os invasores muçulmanos destruíram muitos templos hindus e ergueram mesquitas utilizando as mesmas pedras. Ayodhya é o lugar onde os hindus pretendem promover sua vingança.
Parte da confiança que o VHP e seus aliados sentem quanto ao futuro de seu templo vem do fato de que seu arquiteto, Chandrakant Sompura, tenha um histórico em obras à distância. Com 2.500 trabalhadores, ergueu o templo de Swaminarayan, em Neasden, no Reino Unido, em apenas 28 meses.
As pedras usadas em Neasden, numeradas, foram enviadas de navio e ali montadas. O templo a Ram será quatro vezes maior. Sua construção, assim, será um desafio maior -principalmente devido aos protestos da oposição.


Tradução de Clara Allain


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