São Paulo, domingo, 05 de setembro de 2004

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ELEIÇÃO NOS EUA

Na "votação mundial" para a Casa Branca, Europa parece já se preparar para a eventual reeleição do presidente

Bush em alta divide os ânimos europeus

PATRICK TYLER
DO ""NEW YORK TIMES", EM LONDRES

É como se o mundo inteiro votasse na eleição americana.
Escrevendo no jornal britânico "The Guardian", um comentarista descreveu a disputa nos EUA como ""uma eleição mundial na qual o mundo não tem voto". Mas o mundo teve muito a dizer quando o presidente George W. Bush discursou ao aceitar a indicação republicana para tentar um novo mandato na Casa Branca.
"Mais quatro anos de Bush", opinou o ""Der Standar", o maior jornal da Áustria, como se isso já fosse fato consumado. ""É uma idéia muito desagradável para quase todos os europeus, mas precisamos nos acostumar com ela", disseram os editorialistas do jornal. A razão disso, afirmaram, é que, ""apesar de todas suas falhas, ele passa a impressão de ser um líder forte, e John Kerry, não".
Esse sentimento não é largamente difundido no exterior, já que também Kerry possui muitos admiradores, além de Bush ter muitos detratores. No entanto, graças aos indicativos de que Bush subiu um pouco nas pesquisas, muitos comentaristas parecem estar se precavendo.


"[A reeleição de Bush] é uma idéia muito desagradável para quase todos os europeus, mas precisamos nos acostumar com ela", diz o jornal austríaco "Der Standar"

O historiador político Timothy Garton Ash, que é abertamente contrário a Bush, disse aos leitores do ""Guardian", em ensaio sobre a ""eleição mundial", que os não americanos não são espectadores tão impotentes quanto possivelmente imaginam. ""Sim, é verdade que não votamos", disse ele. ""Sim, se gritarmos alto demais em apoio a Kerry, isso pode ajudar seu adversário. Mas a maioria dos competidores olímpicos é testemunha da importância da torcida. E esta eleição -o que é incomum para uma eleição americana- diz respeito tanto a fatos e reações ocorridos fora das fronteiras dos EUA quanto a coisas que se passam no país."
A imprensa francesa saudou o encerramento da sessão de loas políticas a Bush, em Nova York, com sarcasmo indisfarçado.
Mas boa parte dos comentários foi relegada às páginas internas dos jornais, enquanto os franceses comentavam obsessivamente a libertação iminente de dois jornalistas que eram mantidos como reféns no Iraque e o terrível drama dos reféns fechados numa escola na Rússia.
Em sua matéria principal, o jornal ""Le Figaro" descreveu Bush como ""o texano" que se elevava sobre os cânions de Manhattan ""como um bloco de certezas, alguém que enxerga o mundo em preto e branco" e que se define como ""líder da resistência do bem contra o mal".
No jornal ""Le Monde", Dominique Dhombres observou: ""Ao aceitar a indicação republicana para a eleição de 2 de novembro, Bush aposta tudo em seu papel auto-indicado de comandante na luta contra o terrorismo global. O Iraque é mencionado de passagem, como um mero episódio em uma guerra global". E continuou: "Já faz muito tempo desde que se falou da presença de armas de destruição em massa naquele país, a justificativa oficial para o início da guerra".

"A coroação do "rei George 2º" no Madison Square Garden foi uma vitória de imagem para a direita. Nem Reagan algum dia teve recepção semelhante", diz o "Corriere"

O "Corriere della Sera", maior jornal italiano, comentou: ""A coroação do "rei George 2º" no Madison Square Garden foi uma vitória de imagem e propaganda eleitoral para a direita. Nem mesmo Ronald Reagan, o ídolo do partido, algum dia teve recepção semelhante".
Mas os editorialistas italianos acharam que o tom altivo de Bush, ""marcado por toques de reconciliação, não será suficiente para unificar uma América que não estava tão dividida desde a Guerra do Vietnã".
As críticas contundentes à atuação de Kerry na guerra formuladas pelo vice-presidente Dick Cheney levaram um jornal italiano a indagar-se quem é o ""desafiador" na disputa eleitoral.
Assim, o ""La Repubblica", de Roma, um jornal de tendência esquerdista, observou: ""Se um visitante de Marte tivesse assistido às duas convenções, primeiro a convenção cautelosa, gentil e bem comportada dos democratas, promovida em julho em Boston, e agora a convenção colérica e irritada dos republicanos, em Manhattan, ele teria de concluir que Kerry é o presidente e Bush, o candidato que contesta sua permanência no cargo".
O conservador ""Il Foglio" ficou mais impressionado com Bush como estadista. ""O modelo em que Bush se baseou para fazer seu discurso só pode ter sido Franklin Delano Roosevelt", disse o jornal, acrescentando que ambos foram presidentes em tempos de guerra, ambos ""desmontaram" acusações de seus adversários, afastaram o pessimismo e falaram de desafios futuros com otimismo.
No Oriente Médio, a imprensa israelense fez uma cobertura da convenção republicana quase tão extensa quanto a dos órgãos de mídia americanos. Os jornais publicaram trechos do discurso de Bush perante a convenção.
Embora os políticos israelenses normalmente se abstenham de identificar candidatos favoritos, o candidato predileto do premiê Ariel Sharon é largamente conhecido. ""Os políticos não dizem muito", explicou Eytan Gilboa, cientista político na Universidade Bar-Ilan, ""mas está claro que o governo de Sharon prefere Bush. Bush é conhecido; Kerry, não."
Sharon tem uma relação estreita com Bush, que já dura muito tempo, e, segundo Gilboa, ""a política externa de Bush tem sido de apoio e compreensão quanto à necessidade de Israel de combater o terrorismo palestino".
Já Kerry, pelo contrário, provocou consternação no governista Likud, primeiro quando manifestou seu apoio a uma iniciativa de paz não-oficial à qual Sharon se opunha, e em segundo lugar quando disse que indicará um representante para o Oriente Médio e mencionou para o papel o nome do ex-secretário de Estado republicano James Baker, de quem os líderes do Likud não gostam.
Quando indagados sobre sua preferência, 55% dos israelenses dizem preferir Bush, contra 45% que preferem Kerry. Isso forma um contraste marcante com a posição dos judeus americanos, 75% dos quais parecem ser a favor de Kerry, contra 25% a favor de Bush.
Entretanto, escrevendo no jornal de tendência esquerdista ""Haaretz", Ze'ev Sternhell afirmou que a atitude da Europa em relação aos Estados Unidos ""sempre se deslocou entre a adoração cega e a crítica implacável; hoje o pêndulo está se movendo outra vez em sentido negativo".
Em Londres, Ron Godfrey concordou: ""Qualquer eleição americana é importante por causa da importância dos EUA -e o resultado é importante para o mundo". Internacionalista que sempre trabalhou na parte eletrônica do setor de defesa, Godfrey é grande admirador do primeiro presidente Bush, mas nutre sentimentos conflitantes em relação ao filho. E nada do que ouviu nos discursos proferidos na convenção o levou a mudar de idéia.
""Acho que Bush filho não se compara a seu pai", disse Godfrey. ""Tudo remete ao 11 de Setembro. Mas, se você acha que isso constituiu desculpa para sair por aí batendo em tudo e todos, isso é ir longe demais, e é essa a impressão que tenho do Bush atual."
As peculiaridades das convenções políticas americanas foram motivo de grande curiosidade no Reino Unido. A convenção republicana ""falou pouco de política e girou em torno de personalidades", comentou o motorista John Nichols, que olhava vitrines no centro de Londres.
""O hábito que eles têm de trazer todos de suas famílias para o palco é muito irritante para alguém de nossa cultura política. Não escolhemos nossos líderes em razão de seus cônjuges ou filhos. Isso me deixa incomodado."
""Montaram um ótimo show", comentou Claire Costello, ""mas, pelo que pude ver, não trataram das questões que preocupam a maioria da população americana. Foi tudo balões e aplausos."
Mas Al Baker, que integrou comandos na Segunda Guerra, desceu de pára-quedas em Calais muito antes do Dia D e hoje tem 82 anos de idade, não se sente incomodado por Bush.
""Somos a favor daquilo que ele representa", disse Baker, enquanto recolhia dinheiro para veteranos de guerra idosos. ""Acho que Kerry, apesar de ter sido das Forças Armadas, não perseguiria os terroristas. Se você quer paz, tem de combatê-los, e acho que Bush é quem está mais determinado a não deixar que os EUA passem por um novo 11 de Setembro."

Tradução de Clara Allain


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