São Paulo, quarta-feira, 05 de setembro de 2007

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EUA vêem surto de jovens tratados por transtorno bipolar

Número de casos registrados saltou 40 vezes de 1994 a 2003, mostra estudo; autor vê risco de banalização do diagnóstico

Doença, antes descartada em crianças e adolescentes, passa a responder por 1% dos pacientes de até 19 anos com distúrbios psiquiátricos

Essdras M. Suarez-27.out.2004/"The Boston Globe"
Mãe americana divide atenções entre seu bebê e o filho bipolar; diagnóstico se tornou comum

DENYSE GODOY
DE NOVA YORK

O número de crianças e adolescentes diagnosticados com transtorno bipolar aumentou quase 40 vezes nos EUA de 1994 a 2003, segundo um estudo citado em artigo na edição deste mês da revista "Archives of General Psichiatry".
Entre 1994 e 1995, eram 25 em cada 100 mil os pacientes de até 19 anos que, ao se consultarem com um psiquiatra, recebiam esse diagnóstico. O número pulou para 1.003 a cada 100 mil entre 2002 e 2003, de acordo com o estudo. No caso dos maiores de 20 anos, a elevação foi muito menor no mesmo período: 46%, passando de 905 diagnósticos para 1.679 em cada 100 mil pessoas que procuraram um médico.
O transtorno bipolar é caracterizado pela alternância de dois estados de humor extremos: a depressão -com tristeza, desânimo e baixa auto-estima- e a euforia (mania) -com alegria excessiva e sentimento de onipotência. Até meados da década de 90, acreditava-se que a doença se manifestava apenas entre adultos.

Desejo de rotular
Embora o forte crescimento apurado pelos pesquisadores no caso dos jovens ajude a demonstrar que tal tese estava errada, não significa que a doença está avançando entre as crianças e os adolescentes.
Entre os motivos para essa notável alta está o amadurecimento dos clínicos, que agora têm mais condições de reconhecer o transtorno e prover de cuidados adequados quem antes peregrinava nos consultórios sem descobrir o que havia de errado consigo.
Mas há, ainda, a vontade desesperada de alguns pais de enquadrarem o comportamento explosivo dos filhos em uma definição clínica e, na opinião de alguns críticos, a pressão das indústrias farmacêuticas -já que as drogas indicadas para o transtorno são bem mais caras do que as empregadas contra ansiedade ou depressão.
"Não dá para falar com certeza absoluta se antes os casos eram subestimados ou se agora está havendo uma superavaliação. Tendo a acreditar mais na segunda hipótese", afirmou à Folha Mark Olfson, professor do Instituto Psiquiátrico do Estado de Nova York, da Universidade Columbia.
O grupo de estudiosos liderado por ele, que reuniu profissionais americanos e espanhóis, descobriu que a maior parte (66,5%) dos pacientes bipolares jovens é do sexo masculino, tem de oito a 12 anos de idade, e cerca de um terço deles também estava recebendo tratamento para déficit de atenção ou hiperatividade. "Ou seja, tudo indica que há dificuldade em distinguir o transtorno bipolar de outros problemas psiquiátricos", completa Olfson.
O pesquisador ressalta que, quanto menor a criança, mais difícil é chegar a uma conclusão. "Até porque os critérios utilizados para identificar o bipolar foram definidos com base em como eles se mostravam em adultos", comenta. "Algumas vezes, pode ser simplesmente cedo demais para uma palavra final. Não dá para prever como os sintomas vão evoluir."

Remédios errados
O estudo apontou que a 90,6% dos jovens diagnosticados como bipolares foi prescrito algum tipo de medicação, como estabilizadores de humor e antidepressivos, o que, para muitos especialistas, sinaliza um problema grave: as crianças acabam recebendo remédios errados ou desnecessários.
"Os pais freqüentemente não sabem como lidar com os ataques de raiva dos filhos que são bipolares ou sofrem de outro distúrbio. Seria recomendável que eles aprendessem, para assim evitar o uso dos remédios quando é possível controlar as crises sem eles", comenta Olfson. Ademais, muitos remédios ainda estão sendo testados quanto a eficiência e segurança.
Olfson acha que a pesquisa deve funcionar como um alerta tanto para pais quanto para profissionais de saúde. Estes devem repensar seus métodos e ser mais cuidadosos ao classificar um paciente jovem como bipolar. "Já os responsáveis pelas crianças precisam questionar sempre os motivos dos diagnósticos e se informar o máximo possível sobre o tema."


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