São Paulo, terça-feira, 05 de outubro de 2004

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ÁSIA

Num país que nunca teve eleição presidencial, instrutores explicam os princípios do sistema eleitoral para a inédita votação do dia 9

Afegãos vão à escola para aprender a votar

Emilio Morenatti/Associated Press
Em Ghumaipayan Mahnow, meninas afegãs observam funcionários da ONU carregarem urnas para a eleição presidencial do dia 9


DAVID ROHDE
CARLOTTA GALL
DO "NEW YORK TIMES"

A democracia parecia estar deitando raízes no Afeganistão diante dos próprios olhos de Ed Morgan. Especialista americano no processo eleitoral, Morgan, 64, estava numa sala de aula na cidadezinha de Hulam Ali, ao norte de Cabul, observando um funcionário afegão ensinar a 50 homens como votar na primeira eleição presidencial da história do país, marcada para 9 de outubro.
O instrutor afegão perguntou aos homens, que pareciam fascinados com a idéia de poderem escolher seu líder eles mesmos, se é legal votar em dois candidatos. "Não", responderam os homens. "E votar em todos?" "Também não", foi a resposta.
Mas, quando o instrutor pediu que fizessem perguntas, ficou clara a complexidade do ambicioso experimento americano de difundir a democracia no Afeganistão e em outros países muçulmanos.
Um homem perguntou o que impediria os funcionários eleitorais de usar as cédulas que sobrarem para votar no candidato de sua escolha. Outros disseram ter ouvido no rádio que, independentemente de quem vencer a eleição, o presidente dos EUA, George W. Bush, forçará a implementação da lei americana, não a islâmica. Outro homem disse ter ouvido que os americanos ""arranjaram" a eleição antecipadamente em favor do presidente interino, Hamid Karzai.
Da natureza rudimentar da aula de democracia à astúcia das perguntas dos afegãos, a cena é típica do esforço americano para introduzir a democracia no Afeganistão, segundo especialistas eleitorais ocidentais. Depois de 23 anos de conflito, muitos afegãos parecem estar entusiasmados com o conceito simples de resolver as diferenças políticas por meio de eleições democráticas pacíficas.
Mas o analfabetismo, a ignorância e o fato de muitas comunidades serem isoladas significam que muitos afegãos não compreendem o processo e vão votar segundo critérios étnicos e tribais. E, embora os EUA venham se esforçando para que a eleição pareça um sucesso, especialistas ocidentais dizem que não foi dedicada atenção suficiente à formação dos partidos políticos e das instituições governamentais não partidárias que estão na base dos sistemas democráticos estáveis.
Além disso, o processo de registro de eleitores foi falho, com um número potencialmente grande de registros de eleitores menores de idade ou registros duplos.
Na teoria e na prática, é provável que a eleição de 9 de outubro nesta sociedade tribal e tradicionalmente islâmica resulte numa mistura democrática singularmente afegã. Líderes tribais, senhores de guerra e clérigos provavelmente vão instruir seus seguidores sobre como votar. É provável que os chefes de família instruam suas mulheres e seus filhos. Consta que alguns candidatos estariam comprando votos.
Mas o fator decisivo no sucesso da eleição provavelmente será o voto secreto. Muito vai depender de até que ponto as pessoas comuns conseguirem compreender e acreditar no segredo do voto, um conceito totalmente novo num país onde, há gerações, homens importantes fecham acordos em segredo, enquanto outros acordos são alcançados em reuniões comunitárias públicas.
Após uma aula anterior de educação para o voto, Ed Morgan ficou visivelmente satisfeito quando um grupo de professoras e alunas afegãs se negou a dizer a um jornalista em que candidato ia votar. "Havia alguns homens do povoado presentes", disse ele mais tarde. "Não sei quais teriam sido as repercussões."


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