São Paulo, sexta-feira, 05 de novembro de 2004

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ORIENTE MÉDIO

"Ele não está clinicamente morto, mas seu estado se agravou", diz o médico pessoal do líder palestino

Morte de Arafat é anunciada e desmentida

FERNANDO EICHENBERG
FREE-LANCE PARA A FOLHA, EM PARIS

O estado de saúde do presidente da Autoridade Nacional Palestina (ANP), Iasser Arafat, 75, foi objeto ontem de intensa especulação e rumores. Arafat, que se encontrava internado em estado gravíssimo numa UTI do hospital militar Percy, em Clamart, nos arredores de Paris, teve sua morte anunciada por diversas fontes e negada outras tantas vezes.
Oficialmente, no início da noite de ontem, um comunicado lido para a imprensa pelo médico-chefe do serviço de comunicação de saúde do Exército francês, Christian Estripeau, diante do hospital, informava que Arafat não havia morrido.
Oficiosamente, no entanto, as informações sobre a condição de saúde de Arafat, segundo fontes anônimas francesas e palestinas, e divulgadas ao longo do dia pela mídia, foram as mais contraditórias, provocando confusões e incertezas.
De acordo com algumas fontes, o líder palestino estaria lutando entre a vida e a morte, em estado de coma crítico. Outras fontes acrescentaram que seu estado seria de morte cerebral, mantido em vida graças exclusivamente ao auxílio de aparelhos de respiração artificial.
Outras fontes ainda afirmaram que ele teria perdido a consciência por três vezes nos últimos dois dias, e permanecido inconsciente após a última vez.

Exame
Segundo médicos franceses, Arafat teria sido submetido a um eletroencefalograma ontem pela manhã, e seu estado de coma seria profundo e irreversível. "Ele está vivo, não está clinicamente morto, mas seu estado se agravou", disse à agência de notícias Reuters o médico pessoal de Arafat, o neurologista jordaniano Ashraf Kurdi, contribuindo ainda mais para o clima de dúvida.
Às 15h15 (horário de Paris), uma comitiva de três veículos oficiais do governo francês adentrou, sem grande alarde, no complexo hospitalar militar. O visitante oficial era o presidente Jacques Chirac, que decidira se deslocar à cabeceira do leito do líder palestino doente antes de viajar a Bruxelas, na Bélgica, para a reunião dos chefes de governo da União Européia.
Segundo o porta-voz do Palácio do Eliseu, sede do governo francês, Chirac, que permaneceu por cerca de 45 minutos no local, manifestou "desejos de melhora" a Arafat, sem, no entanto, fornecer maiores detalhes sobre o estado de saúde do célebre paciente.
Poucos minutos antes da divulgação do comunicado oficial do hospital, o total desencontro de informações parecia ter chegado ao fim com a notícia da morte do líder palestino, anunciada por uma emissora de rádio e um canal de TV israelenses.
Em Bruxelas, o primeiro-ministro de Luxemburgo, Jean-Claude Juncker, confirmou a notícia, anunciando a morte de Arafat a seus colegas, mas sem divulgar sua fonte. Chirac chegou a comentar a notícia com outros dirigentes.
A apressada informação logo chegou a Washington, levando o presidente dos Estados Unidos, George W. Bush, a cometer uma gafe durante sua primeira entrevista coletiva após sua reeleição à Casa Branca.
Ao ser informado por um jornalista da morte de Arafat, e questionado sobre sua reação a respeito, Bush respondeu: "Minha primeira reação é: que Deus abençoe sua alma".
Depois, aproveitou para falar do processo de paz no Oriente Médio -estagnado, na opinião de Washington, pela presença de Arafat. "Minha segunda reação é: continuaremos a trabalhar para um Estado palestino livre e em paz com Israel", disse Bush.

"O sr. Arafat não morreu"
A notícia da "morte" de Arafat obrigou o porta-voz do Exército francês, Christian Estripeau, a encerrar seu comunicado sobre a saúde do líder palestino com uma frase seca e direta: "O sr. Arafat não morreu".
A centena de jornalistas internacionais que aguardou durante todo o dia em frente ao hospital, contidos por barreiras e vigiados por dezenas de policiais da força de segurança especial francesa, foi surpreendida com a negativa, pois os constantes rumores já davam conta da morte do líder da ANP.
A nota oficial do hospital, formulada com o "respeito à discrição" solicitada por Souha, mulher de Arafat, afirmava ainda que seu estado de saúde se tornara mais "complexo", e que ele havia sido transferido na tarde da última quarta-feira "para uma unidade adaptada à sua patologia" -que ninguém diz exatamente qual é.
O marroquino Abdou, 55, segurando acima da cabeça uma bandeira palestina pintada, era um dos raros manifestantes presentes no local.
"Vim aqui expressar minha solidariedade a Arafat. Foi um excelente presidente, e o único que não cedeu aos americanos", disse à Folha, já utilizando o verbo no passado.
Os 22 minutos dedicados a Arafat pelo telejornal das 20h do canal TF1, o de maior audiência da França, em tom de "biografia funerária", resumindo a vida e a trajetória do líder palestino, foi mais um sinal revelador da gravidade de seu estado de saúde.
Mais tarde, por volta das 21h30, impulsionados pela divulgação de diagnósticos médicos pouco otimistas, partidários de Arafat, igualmente portando bandeiras da ANP, começaram a afluir ao hospital militar Percy, como se estivessem desejando dar o último adeus ao seu líder.


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