São Paulo, domingo, 05 de novembro de 2006

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Brasileiros se decepcionam com "sonho português"

Paranaenses foram levados para Vila de Rei há um ano em programa de repovoamento

Famílias se queixam do alto custo de vida, da instalação precária e da falta de apoio da prefeita Irene Barata, que suspendeu o projeto

VITORINO CORAGEM
COLABORAÇÃO PARA A FOLHA, EM VILA DE REI (PORTUGAL)

Desilusão. É essa a sensação dos brasileiros que chegaram, em maio, a Vila de Rei, região central de Portugal, sob um protocolo de repovoamento entre a autarquia portuguesa e a Prefeitura de Maringá. Duas das quatro famílias já deixaram a cidade, há um mês, e o projeto foi suspenso por tempo indeterminado.
A família Padilha fugiu para Cascais, perto de Lisboa. Confessando que chegou a passar fome, Daiane, 20, seu irmão Daniel, 25, e sua cunhada Regiane, 19, tentam agora juntar dinheiro para voltar a Maringá. No Brasil, o casal vendeu os móveis e eletrodomésticos para dar entrada na compra das passagens. Quando chegaram, afirmam, perceberam logo que a situação não era a esperada.
O abrigo destinado aos 15 imigrantes não tinha geladeira nem fogão. Além disso, alimentação e emprego não eram garantidos. "Fomos enganados. A única coisa que a prefeita Irene Barata conseguiu foi nos trazer, deixando-nos depois completamente desamparados. Não compreendo como ela quer fixar assim as pessoas, sem apoio", afirma Daiane.
Tal como as outras três famílias brasileiras, os Padilha trabalharam na Albergaria D. Diniz, uma unidade hoteleira com 17 quartos e um restaurante. Recebiam o salário mínimo português, de 400 (cerca de R$ 1.040).
O que pode parecer uma boa quantia tendo em conta a realidade brasileira revelou-se um pesadelo. O expediente ia das 8h às 2h, incluindo fins de semana. "O ritmo de trabalho é muito diferente daquele a que estávamos habituados. Além disso, o dinheiro era muito pouco, principalmente para quem quer refazer a vida", conta Daniel.

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Adélia e Pedro Oliveira também não se habituaram. Em outubro de 2005, o casal soube, por jornais do Paraná, que Vila de Rei enfrentava o envelhecimento de sua população e buscava brasileiros para repovoá-la. Em dois dias, 800 pessoas concorreram ao Programa do Voluntariado Paranaense.
Segundo o anúncio publicado no "Diário do Maringá", a prefeita Irene Barata garantia o salário mínimo, moradia, creche e escola gratuitos. Entre as 15 famílias selecionadas, Adélia e Pedro foram a uma reunião de apresentação de Vila de Rei.
Pelo programa, quatro famílias foram efetivamente para lá. De modo provisório, foram morar todos juntos numa casa particular, em São João de Peso, uma localidade com 50 habitantes. Adélia é cabeleireira e não conseguiu montar um salão na pequena cidade. Mas teve uma proposta para trabalhar na sua área, em Sertã, uma cidade vizinha. Prefere não falar muito do assunto.
As famílias que ainda permanecem têm filhos e, por causa disso, mais dificuldade para partir. Mas Cecília Fraga, jornalista, 42, confessa que é esse seu maior desejo no momento. Divorciada e com dois filhos, ela trabalha como relações públicas em uma empresa de construção e escreve para um jornal de uma associação que ajuda crianças deficientes.
Cansada do que considera um clima de intimidação e guerras políticas, conta com a ajuda dos vizinhos, que lhe levam produtos das suas hortas. "Não tínhamos a noção real do que estava à nossa espera, ao contrário do que diz a prefeita. O custo de vida é muito alto. O salário mínimo só dá quase para pagar o aluguel de uma casa. Além disso, não se traz mão-de-obra qualificada para viver nestas condições, sem nenhuma dignidade", queixa-se.
Já a psicóloga Letícia Duarte, 34, diz estar resignada. Grávida do terceiro filho, ela e o marido, que trabalha com informática, tentam melhorar a nova vida. Letícia passa os dias cuidando dos idosos do Lar de Acolhimento de São João de Peso, à espera de poder exercer a sua profissão em Portugal, apesar da burocracia.
No fim do mês passado, Irene Barata anunciou que o projeto de "importação" de moradores estava suspenso por tempo indeterminado, embora a prefeita mantenha a intenção de retomar o plano.
"Por enquanto está parado e vai continuar assim por alguns meses. Vamos arrumar as idéias, analisar o que não esteve muito bem. Continuará quando for oportuno", afirmou à agência Lusa.
Adiantou, no entanto, ser sua intenção envolver no projeto cidadãos portugueses que pretendam trabalhar em Vila de Rei ou, na falta destes, brasileiros que já residam em Portugal.


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