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São Paulo, sexta-feira, 05 de dezembro de 2003

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SOLIDÁRIOS DEMAIS

Maridos foram prestar auxílio e acabaram ficando com a outra família

Bombeiros trocam família por viúvas de colegas mortos no WTC

CÍNTIA CARDOSO
DE NOVA YORK

Mary Koenig, 39, se considera uma vítima dos ataques terroristas de 11 de setembro de 2001. Seu marido, o bombeiro Gerry Koenig, 43, não morreu na ocasião, mas, após os atentados, abandonou-a para viver com Madeleine Bergin -viúva do bombeiro John Bergin, morto no World Trade Center.
"Meu marido sobreviveu ao 11 de Setembro, mas não foi mais o mesmo", relatou Mary Koenig à Folha. "Após os ataques, ele foi contar para Madeleine sobre o desaparecimento de John e prometeu a ela que jamais a deixaria. Ele esqueceu de mim, dos filhos e não saiu mais do lado dela. Ele passou a ir às compras com ela e com os filhos. Uma vez, pela CNN, eu os vi numa loja de brinquedos. Ele ia às consultas médicas da família dela e até a acompanhava nas reuniões para viúvas dos bombeiros."
Koenig disse ainda que ela e a viúva de John Bergin se conheciam havia oito anos, mas que, depois dos atentados, elas se distanciaram. "Ela não se importava se os meus filhos [dois meninos de 13 e 16 anos] queriam ver o pai. Ela só se preocupava consigo mesma", afirmou.
O relato, que à primeira vista pode ser interpretado como um episódio meramente doméstico, pode estar ligado a outras situações semelhantes. Reportagem publicada pelo jornal "New York Post" nesta semana diz que há pelo menos uma dúzia de mulheres com histórias parecidas. Os maridos foram prestar ajuda à família dos mortos e trocaram as suas mulheres pelas viúvas.
Segundo um código de honra extra-oficial dos bombeiros de Nova York, os membros da corporação auxiliam na preparação do funeral de companheiros mortos em serviço e prestam solidariedade a suas famílias. Mas, na avaliação de Koenig, o relacionamento entre o seu marido e Bergin ultrapassou esses limites.
Ela acusa a cúpula do Corpo de Bombeiros de Nova York de negligência.
"Eu entrei em contato com eles, falei sobre a mudança de comportamento do meu marido, mas eles fecharam os olhos para esse problema. Eu comecei uma campanha para contar a minha história e não vou parar até ser ouvida", afirmou Koenig.
Assim como o "New York Post", Koenig afirma que há pelo menos uma dezena de mulheres com os mesmos problemas. Nenhuma das estimativas é oficial.
O porta-voz do Departamento de Bombeiros de Nova York, David Billig, afirma que a corporação só tem conhecimento do caso de Koenig e de Susan Zazulka, que também foi citada pelo jornal. Billig rebateu ainda as acusações de Koenig sobre o descaso do Corpo de Bombeiros em relação ao seu drama.
"Logo depois dos ataques, aumentamos o número de psicólogos disponíveis para qualquer membro da corporação e para suas famílias. No total, passou de 12 para 300. Mas, obviamente, o aconselhamento psicológico não era obrigatório", afirmou o porta-voz.
Procurados pela Folha, Madeleine Bergin e John Koenig não foram localizados. Em entrevista ao jornal nova-iorquino, John disse: "Minha vida é um assunto privado. Não deixei a minha família, deixei a minha mulher".


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