São Paulo, sábado, 05 de dezembro de 2009

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Oposição boliviana luta contra Evo e Justiça

Detido preventivamente há 15 meses, ex-governador de Pando é candidato a vice-presidente na principal chapa antigovernista

Manfred Reyes Villa, que concorre à Presidência, é acusado por La Paz de tentar fraudar o resultado do pleito e de planejar fuga do país


Desiree Martin-3.dez.09/France Presse
Partidários do candidato opositor Manfred Reyes Villa participam do encerramento da campanha, anteontem em Santa Cruz

FLÁVIA MARREIRO
ENVIADA ESPECIAL A LA PAZ

A votação de amanhã que escolherá o presidente boliviano ficará para a história por um dado sui generis: o candidato a vice-presidente na principal chapa da oposição faz campanha diretamente da cadeia.
Leopoldo Fernández, ex-governador do departamento de Pando, está preso preventivamente há quase 15 meses em San Pedro, o maior presídio do país, acusado de envolvimento no massacre de 13 camponeses pró-governo em setembro de 2008, no auge da crise política que marcou o primeiro mandato de Evo Morales.
"Sou preso político. É outra demonstração dos abusos do governo, que tem enorme ingerência na Justiça", disse Fernández à Folha, por telefone. A defesa do ex-governador sustenta -e vários juristas concordam- que ele deveria ser julgado por um tribunal superior, pelo cargo. O governo apresentou a acusação na Justiça comum, em La Paz.
"Se querem a Justiça comum que seja a de Pando", diz Fernández, cuja defesa apresentou recurso para mudar o foro. Em meio ao impasse jurídico, Fernández acabou sendo escolhido como candidato a vice na principal chapa opositora, encabeçada pelo ex-governador de Cochabamba, Manfred Reyes Villa -alijado do cargo num referendo revogatório em 2008.
A chapa que reúne um atual presidiário e um político que perdeu uma votação em seu próprio departamento ilustra a crise da oposição boliviana. Morales também tem ameaçado de prisão Reyes Villa.
Nesta semana, o governo o acusou de reservar passagem internacional e conseguiu que um juiz o impedisse de deixar o país, onde é acusado de corrupção quando governador. Ontem, La Paz fez mais uma denúncia: exibiu gravação na qual supostamente Reyes Villa combina um esquema de fraude para inflar sua votação no domingo. As pesquisas dizem que a chapa opositora terá entre 19% e 24% dos votos, ante os mais de 50% de Morales. O governo Morales também tentou proibir que Fernández falasse com a imprensa, mas a Justiça Eleitoral autorizou.

Filme e impunidade
O ex-governador está encarcerado com estimados 1.500 presos em San Pedro, presídio que era, até 2008, ponto turístico de La Paz. Lá viviam famílias inteiras, havia pequenos restaurantes para turistas e se traficava e se consumia drogas. A maluquice da cadeia, encerrada parcialmente por Morales, vai virar filme dirigido pelo brasileiro José Padilha, com produção de Brad Pitt.
"Marching Powder" conta a história de um traficante inglês que passou por San Pedro. Fernández acusa o governo de insuflar uma polarização entre as duas principais zonas do país e diz que sua chapa tem chance de ir ao segundo turno.
"Temos projeto para o país. Só não é esse populista de Morales, que segue Hugo Chávez." A estada de Fernández em San Pedro joga luz num problema estrutural: 73% dos presos bolivianos não têm sentença. Neto de uma cearense e ex-jogador futebol de times do Acre, Fernández deu algumas respostas em português.
A popularidade vinda da bola -"Joguei no Bolívar nos anos 70, é o melhor time, o Flamengo daqui"- ajudou a intregrá-lo na prisão: no seu primeiro dia apitou um jogo. Desde então apoia o esporte no local. Na Bolívia, os presos votam. Em 2005, Morales ganhou com mais de 80% dos votos. É esperar para ver o resultado da interação de Fernández por lá.

Veja especial sobre a eleição boliviana

www.folha.com.br/093291


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