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depoimento
"A paz do sítio foi destruída, e meu pai, despedaçado"
FARES AKRAM
DO "INDEPENDENT", EM GAZA
O telefonema surgiu às
16h20 do sábado. Uma bomba havia atingido a pequena
casa de nossa fazenda no
norte da faixa de Gaza. Meu
pai estava caminhando do
portão para a casa.
Era a fazenda mais próxima à fronteira norte com Israel. Ironicamente, sempre
imaginamos que o maior perigo fossem não as tropas israelenses, mas os erros nos
foguetes do Hamas disparados contra cidades de Israel
logo ao norte de nós.
Mas pouco antes do cair da
noite, no sábado, quando tropas terrestres e tanques israelenses invadiram a faixa
de Gaza com a missão de pôr
fim ao uso de foguetes pelo
Hamas, a paz do local foi destruída, e a vida do meu pai,
extinta. Aviões e helicópteros de combate haviam varrido a área, lançando bombas
para abrir caminho às forças
terrestres e tanques que seguiriam adiante assim que a
noite caísse. Foi um desses
ataques que causou a morte
do meu pai.
Como a maioria dos cidadãos de Gaza, minha mãe,
minhas irmãs, minha mulher grávida de nove meses e
eu passamos a última semana aprisionados em nosso
apartamento na cidade. Mas
meu pai havia decidido ficar
na fazenda; ele sabia que não
haveria como voltar para cuidar do gado se a invasão terrestre acontecesse.
A última vez que o vi foi na
quinta-feira, quando ele
trouxe dinheiro e um saco de
farinha. Conversamos sobre
o iminente nascimento de
meu primeiro filho e sobre
como faríamos para levar
minha mulher ao hospital
em meio ao bombardeio.
É claro que na noite de sábado não havia esperança de
levar uma ambulância à fazenda, porque as estradas estavam bloqueadas pelos israelenses. Assim, meu tio e
meu irmão dirigiram os oito
quilômetros até lá e o resto
da família ficou no apartamento. No fundo, todos sabíamos que papai estava
morto. Quando um F-16
bombardeia sua casa, você
sabe as consequências.
Sepultamos meu pai anteontem em um funeral muito rápido, sabendo que havia
tanques a apenas três quilômetros. Os israelenses podem alegar que existiam militantes na área de nossa fazenda, mas jamais acreditaremos. O ponto mais avançado para os lançadores de foguetes fica seis quilômetros
ao sul. Na fronteira, o terreno é uma planície aberta,
sem esconderijos possíveis.
Meu pai não era militante.
Nascido em Gaza e educado
no Egito, ele era um advogado e juiz que trabalhou para a
Autoridade Palestina. Depois que o Hamas tomou o
poder, ele abandonou seu
posto e se tornou agricultor.
Ele odiava o que o Hamas
estava fazendo com o sistema legal de Gaza, introduzindo a justiça islâmica, e era totalmente oposto à violência.
Minha dor não envolve desejo de vingança. Mas, como
um filho em luto, vejo dificuldade para distinguir entre
aqueles que os israelenses
chamam de terroristas e os
israelenses que estão invadindo Gaza. Qual é a diferença entre o piloto que despedaçou meu pai e um militante que dispara um pequeno
foguete? Só sei que, no momento em que estou por me
tornar pai, perdi o meu.
Tradução de PAULO MIGLIACCI
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