São Paulo, segunda-feira, 06 de março de 2006

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País ainda está bem longe da primeira bomba

WILLIAM BROAD
DO "NEW YORK TIMES"

Quando o Irã rompeu em janeiro os lacres de sua usina de enriquecimento de urânio, a comunidade internacional se perguntou em quanto tempo o país teria a bomba atômica que modificaria o equilíbrio das forças no Oriente Médio.
Mas por detrás do alarmismo há um retrato bem mais complexo. Especialistas afirmam que há ainda sérias dificuldades técnicas em cada uma das etapas para chegar à bomba, sobretudo na conversão do minério de urânio em gás e na transformação desse gás em combustível atômico.
Para tanto, seriam necessários dez anos com a produção de uma centena de centrífugas por semana para viabilizar as instalações de Natanz.
O governo iraniano se disse disposto a instalar 3.000 centrífugas, o que seria teoricamente suficiente para produzir combustível para dez ogivas nucleares por ano.
Esse objetivo, no entanto, dificilmente seria alcançado, dizem especialistas americanos. Para tanto, os iranianos precisariam de ajuda, de sorte e até mesmo de orações.
As estimativas sobre o prazo necessário para que o Irã obtenha sua primeira bomba variam de alguns meses, para os mais alarmistas, até 15 anos. Os serviços de inteligência americanos acreditam que de cinco a dez anos o Irã produziria o combustível necessário.
Outra incerteza diz respeito ao momento a partir do qual o Irã se tornará uma ameaça irreversível. Para alguns, esse momento está na produção de combustível nuclear, mas outros, e é o caso dos israelenses, acreditam que isso ocorre numa etapa anterior, com a acumulação de conhecimentos suficientes no setor atômico.
Uma das charadas é a seguinte: com tantos cientistas na área e tanto dinheiro obtido com a exportação de petróleo, por que Teerã não obteve a bomba já há alguns anos atrás?
Os Estados Unidos demoraram três anos. O Paquistão e a Coréia do Norte, bem mais pobres, demoraram dez. O Irã já está empenhado em seu programa há pelo menos 20.
Nem sempre a bomba foi uma prioridade das lideranças religiosas. Elas perseguiram cientistas que se exilaram depois da Revolução de 1979. Os EUA também fizeram sua parte, ao pressionar a Rússia e a China a não darem ao Irã as primeiras ferramentas de sua capacitação nesse campo.
"Há certas técnicas e segredos que não acreditamos que os iranianos já possuam", disse em fevereiro Sean McCormack, porta-voz do Departamento de Estado.
Alguns especialistas prestam apenas atenção ao urânio. Mas poucos se assustariam com o plutônio, por acreditarem se tratar de algo ainda mais difícil de obter. Há nisso um equívoco, dizem cientistas da área.
"Os EUA estão subestimando a força da pesquisa no Irã e a ingenuidade que os cientistas de lá demonstram ao tentarem trabalhar com desenhos rudimentares que caem em suas mãos", diz Mohammad Sahimi, cientista iraniano que deixou seu país em 1978.
O raciocínio, como um todo, envolve as centrífugas, aparelhos para o enriquecimento de urânio com rotação a alta velocidade em torno de um eixo. Depois de duas décadas, o Irã ainda está na fase inicial.
O urânio enriquecido em 4% pode mover usinas termonucleares; se ele o for a 90%, poderá ser usado para a bomba. Em 1987 o Irã passou a comprar desenhos de Abdul Qadeer Kahn, o traficante paquistanês do mercado clandestino de componentes nucleares. O negócio incluía componentes de 500 centrífugas já usadas.
Mas esse equipamento não funcionou. O Irã então pediu em 1995 para que os russos lhes fornecessem dezenas de milhares de centrífugas. O governo Clinton convenceu Moscou a não fechar o negócio.
A partir dos desenhos de Kahn, os iranianos então planejaram colocar até 50 mil centrífugas em instalações subterrâneas. Mas, de uma cascata experimental de 164 centrífugas, 50 quebraram ou se desintegraram. O Irã estaria agora no estágio de consertar as centrífugas ou produzir outras para substituir as inutilizadas.


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