São Paulo, sexta-feira, 06 de março de 2009

Próximo Texto | Índice

Cuba consuma expurgo de dirigentes

Antes cotados para suceder os Castro, Carlos Lage e Felipe Pérez Roque assinam cartas em que admitem erros não especificados

Ex-chanceler e ex-"premiê", atacados por Fidel há três dias, renunciam a postos no PC e no governo; chanceler do PC também é substituído

Adalberto Roque/France Presse
Cubanos fazem fila em Havana para comprar o jornal oficial do PC, "Granma", com as cartas de Carlos Lage e Felipe Pérez Roque

DA REDAÇÃO

O governo cubano completou ontem o expurgo de dois altos dirigentes afastados de cargos executivos na reforma ministerial de segunda-feira.
O jornal oficial do Partido Comunista, "Granma", publicou cartas do ex-secretário do Conselho de Ministros Carlos Lage e do ex-chanceler Felipe Pérez Roque em que eles reconhecem "erros" não especificados e renunciam aos demais postos que ocupavam no PC e no governo. Até a semana passada, ambos eram apontados como possíveis sucessores dos irmãos Castro.
As cartas surpreenderam os cubanos nas ruas e semearam mais confusão entre os que tentam interpretar as motivações da reforma ministerial promovida por Raúl Castro, 77, que ocupa a Presidência da ilha desde fevereiro de 2008.
Os textos têm data do dia 3, quando o ex-ditador Fidel Castro, 82, publicou na internet "reflexão" acusando Lage e Pérez Roque de serem "indignos" e alimentarem esperanças no "inimigo externo". No anúncio oficial da reforma ministerial, em que Raúl trocou oito ministros, o tom havia sido outro: os "companheiros" Lage e Pérez Roque foram "liberados".
O médico Lage, 57, e o engenheiro Pérez Roque, 42, têm longa história de atuação prestigiada na liderança cubana.
O primeiro era o premiê de fato há quase duas décadas e conduziu pequenas reformas que permitiram ao regime sobreviver ao fim da URSS, em 1991. Era tido como "pragmático", o que em tese o alinharia a Raúl, que defende reformas liberalizantes na economia.
O segundo, ex-dirigente da Juventude Comunista, foi secretário pessoal de Fidel Castro e chanceler desde 1999. Era considerado um "dogmático", mais perto do pensamento do Castro mais velho.
Ambos eram próximos do presidente venezuelano, Hugo Chávez, que não comentou as mudanças na ilha. Especialistas especulam que isso incomodaria Raúl, disposto a tomar as rédeas da relação com o país, hoje o principal sócio de Cuba.
Na reforma, Lage foi substituído pelo general Amado Guerra, que era secretário do Ministério das Forças Armadas, base do general Raúl. Pérez Roque foi substituído pelo vice-chanceler Bruno Rodríguez, 51, ex-embaixador na ONU.
"O que fizeram pode ter sido grave, mas não foi contra Raúl. Parece ter sido contra Fidel", diz uma fonte brasileira próxima de Havana. Entre as especulações, ela não descarta a de que Lage tenha feito algum movimento independente em direção à nova Casa Branca.
Outros analistas apostam em outra direção: as substituições são parte dos planos de Raúl para criar um entorno de extrema confiança diante dos desafios de uma nova relação com Washington e a crise econômica. Fidel teria aparecido para validar a reforma e enviar mensagem ao exterior de que os irmãos seguem unidos.
O certo é que, à diferença de Pérez Roque, que chegou a acertar viagem para o Japão no dia 20, Lage já dava mostras de enfraquecimento. Sumira de eventos e da imprensa oficial.
Seu filho, Carlos Lage Cordorniú, 27, foi destituído da FEU (Federação de Estudantes Universitários) no fim de 2007 após criticar o governo num seminário da revista acadêmica cubana "Temas". Rumoreia-se que ele teria deixado a ilha.

Críticas na internet
O governo também removeu do cargo o secretário de Relações Internacionais do PC, Fernando Remírez de Estenoz. A imprensa oficial citou outro nome no cargo ontem, Jorge Martí Martínez.
Estenoz, como Lage e Pérez Roque, era "novo" em relação à cúpula. Serviu na Seção de Interesses de Cuba nos EUA.
O sumiço da "ala jovem" cubana provocou críticas de cubanos na internet. A frase de Fidel de que ambos chegaram ao poder "sem sacrifício" foi lida como um reforço dos "históricos", os com mais de 70 que lutaram na guerrilha. Até o governista "Blog da Yohandry" se perguntava: "Confiava nas figuras a que se faz referência, e eu gostaria de saber mais elementos a respeito".
"Custo a entender porque tinha Lage e Felipe em um pedestal; acumularam méritos e pareciam entregues à revolução", disse María López, de 72 anos, nas ruas de Havana.


Com agências internacionais


Próximo Texto: Frases
Índice


Copyright Empresa Folha da Manhã S/A. Todos os direitos reservados. É proibida a reprodução do conteúdo desta página em qualquer meio de comunicação, eletrônico ou impresso, sem autorização escrita da Folhapress.