São Paulo, domingo, 06 de abril de 2008

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"Hoje muita gente é contra a guerrilha pelo que ela fez"

Para colombiano que deixou fileiras das Farc atraído por dinheiro oferecido pelo governo Uribe, conflito é uma "luta fracassada"

Alberto Orbegozo-19.mar.08/France Presse
Integrante das Farc é presa no Peru; grupo transcende fronteiras

DO ENVIADO A BOGOTÁ

O ex-guerrilheiro Ronald tem 26 anos e foi aceito no programa de desmobilização há pouco mais de duas semanas. Desde os 13, integrava a frente 10 das Farc, que atua no departamento de Arauca, na tumultuada fronteira com a Venezuela. Nesse período, participou de combates com o Exército, seqüestros de venezuelanos e carregou aviões cheios de cocaína. Eis a sua história. (FM)

 

Entrada na guerrilha
"Estava na guerra desde os 13 anos. Entrei mais porque estava iludido pelas armas. Além disso, nós nos criamos num sítio, somos três irmãos na guerrilha. E, quando o Exército chegava, atropelava todo mundo, e a guerrilha era mais amável. Quando era pequeno, odiava muito o Exército."
"Aí apareceu a Juventude Comunista, a Juco. Eu entrei nisso, mas servia para a gente ter mais conhecimento sobre a guerrilha. É como um uma capacitação ideológica. E quando me dei conta, já estava envolvido na guerrilha. Tinha 12 anos e carregava uma [pistola] 45 e ainda estudava, carregava na mochila, junto com os livros."
"Com uns 15 anos, voltei a ver a minha mãe. Eles me disseram: "Você tem cinco minutos". Desci do carro correndo, carregando uma [carabina] 5 mm, cumprimentei-a e voltei. Só a vi dois anos depois, quando me deram folga de dois dias."

 

Farc impopulares
"No começo, tínhamos mais mobilidade, mais território. Agora as áreas estão mais reduzidas. Além disso, já tem muita gente contra a guerrilha pelas coisas ruins que fizeram. No começo, a gente chegava a um sítio, e os civis nos deixavam dormir na cama, e eles dormiam no chão. Agora, você chega e não te dão nem água. Antes, a guerrilha tentava resolver todos os problemas dos civis, mas agora já não."

 

Irmão morto
"O nome do Exército causa temor, mas agora estão mais controlados, já não matam nem estupram. Mas sempre há falhas. As pessoas que eles agarram vivas em combate são mortas. Mesmo as pessoas da guerrilha que se entregam. Para o Exército, é melhor um guerrilheiro morto do que vivo. Aconteceu com o meu irmão, ele foi morto com 48 tiros. Eles o agarraram vivo e o metralharam e o queimaram com ácido. De toda forma, eu não tenho nenhum rancor do Exército, quando alguém entra na guerrilha é para morrer ou ser morto."

 

Armas
"[Hugo] Chávez não manda armas diretamente à guerrilha. O problema é que na Venezuela tem muita gente do Exército que entra no território das Farc para vender armas. São corruptos. Mas aqui na Colômbia também acontece isso."

 

Desmobilização
"Já estava cansado de uma guerra que não tem fim. É uma luta fracassada. Quando entrei, diziam que, se a gente tivesse um impedimento para continuar na guerrilha, eles dariam dinheiro para melhorar a sua vida. Essas coisas não existem, é mentira, tenho muitos companheiros abandonados. Um doente não serve para nada."

 

Venezuela
"É bastante comum cruzar a fronteira. Eu mesmo fui a Guasdualito (sudoeste), no hospital, para operar a perna. Ali, tinha uma casa com uns 15 guerrilheiros. Muitos fogem para a Venezuela, muita gente tem família lá. Muitos formam quadrilhas. Se eu tivesse parente na Venezuela, não teria me desmobilizado, teria ido para lá trabalhar. Porque é mais rentável. Agora, se a guerrilha me agarra aqui, vai me matar."

 

Programa de reinserção
"O salário dos desmobilizados é muito baixo, pagam 400 mil pesos [R$ 376] por mês. Tenho de pagar um aluguel e estudar, é uma das exigências para receber. E o que se faz quando, no meu caso, tenho duas filhas? De repente, eu me arrependo. Aqui, no mínimo, um aluguel vale 200 mil pesos. E tem de ser num lugar não tão pobre, porque nesses lugares estão paracos [paramilitares], guerrilha."

 

Narcotráfico
"Por semana, vinham umas três avionetas buscar o que eles chamam de cristal. Em Arauca, há muitas pistas de pouso, e nós éramos encarregados de cuidar das avionetas e preparar a carga. Quando chegavam, vinham com quinze, vinte sacos de dinheiro para pagar o pessoal e comprar mantimento. Dólares, dinheiro colombiano, bolívares [venezuelanos] e euros"

 

Seqüestros
"Há muitos seqüestros no lado venezuelano. Em 2000, havia um convênio entre Chávez e a frente 10. Ele pagava às Farc para não seqüestrar na Venezuela. Só que os seqüestros continuaram, mas não em nome da organização, e eles romperam. Estive com seqüestrados. Havia um muçulmano, um italiano, dois espanhóis e três venezuelanos, todos trazidos da Venezuela à Colômbia."


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