São Paulo, domingo, 06 de abril de 2008

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Inflação à mesa nutre instabilidade política

Com preços dos produtos básicos em alta, pipocam revoltas nos cinco continentes

Pior quadro é o da África, onde comida subiu 40% ou mais nos últimos seis meses, segundo ONU, e protestos culminaram em mortes

TANSA MUSA
DA REUTERS, EM IAUNDÉ

"Dizem que "um homem esfomeado é um homem irado'", comentou Simon Nkwenti, líder de um sindicato de professores na República dos Camarões, após distúrbios deixarem dezenas de mortos no país africano. Faria bem aos líderes mundiais lembrar o ditado no momento em que suas populações empobrecidas enfrentam a alta constante dos preços dos alimentos, em função dos preços recordes do petróleo, do clima, da especulação nos mercados locais e nas bolsas mundiais de futuros.
Nos últimos seis meses, a revolta suscitada pelos altos custos dos alimentos e combustíveis vem gerando uma onda de distúrbios violentos em várias partes do mundo. Dos desertos da Mauritânia até a costa de Moçambique, multidões têm saído às ruas.
Houve "levantes da tortilha" no México, choques entre camponeses e policiais no leste da Índia, e, na Indonésia, centenas de muçulmanos fizeram passeatas reivindicando redução nos preços dos alimentos.
Para apaziguar os ânimos de seus eleitores, os governos vêm introduzindo controles de preços, limites às exportações e reduções nas tarifas alfandegárias. Mas, nas ruas da África, os eleitores querem mais.
A África subsaariana é especialmente vulnerável: a maior parte dos habitantes da região sobrevive com menos de US$ 2 por dia, em países onde secas e inundações são freqüentes e a agricultura muitas vezes é praticada com métodos rudimentares. Para quem tem na comida a maior despesa, até um aumento pequeno nos preços dos alimentos pode ser devastador.
"As pessoas vêm sendo levadas a atos destrutivos porque não sabem mais o que fazer ou a quem recorrer", diz o comerciante Ousmane Sanou, na Patte d'Oie, um dos bairros de Uagadugu, capital de Burkina Fasso, mais atingidos pelos tumultos de fevereiro. "Elas acham que essa é a única forma de fazer com o que o governo mude alguma coisa. Os preços têm de cair. Se não, será a catástrofe."
Em Burkina Fasso, mais de 300 pessoas foram detidas nos maiores distúrbios em anos, levando o governo a suspender por três meses as tarifas sobre importações de alimentos básicos. Apesar disso, os sindicatos ameaçam com greve geral.
A revolta em torno da alta dos preços também resultou em violência na Mauritânia no fim de 2007. E ao menos seis pessoas morreram em Moçambique em fevereiro.
O Senegal, no ano passado, enfrentou os piores distúrbios em mais de uma década, quando centenas de jovens quebraram janelas e queimaram pneus em revolta contra os altos preços e ações do governo para tirar camelôs das ruas.

Forças de mercado
O Programa Mundial de Alimentos da ONU diz que os preços dos alimentos básicos subiram 40% ou mais em seis meses em partes da África. O FMI anunciou em março que a inflação dos alimentos na África superou em 2,8% a inflação geral. Na África do Sul, na semana passada, o diretor do Banco Central pediu um "aperto dos cintos", enquanto a inflação anual chegava a 9,4% -o pico em cinco anos- em fevereiro.
O consumo já sofreu queda acentuada. E isso tudo se soma à escassez de energia na maior economia da África. A alta dos preços afeta tanto a pequena classe média africana quanto consumidores sul-africanos quanto gente mais pobre, como o comerciante Sanou.
Apesar de os períodos de fome generalizada que marcaram os anos 80 serem menos comuns, graças aos programas de assistência e desenvolvimento, há risco de um retorno à inflação crônica, algo que poderia colocar em risco a relativa estabilidade econômica conquistada por muitos países africanos. "Estamos frustrados. Estamos perplexos", disse Jean-Martin Tsafack, 32 anos, formado em direito mas que vive da venda de roupas importadas de segunda mão na capital camaronesa, Iaundé. "Alguns de nós viramos camelôs, outros, carreteiros. Moças que foram minhas colegas de classe na universidade hoje se prostituem para ter o que comer."


Tradução de CLARA ALLAIN


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