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Inflação à mesa nutre instabilidade política
Com preços dos produtos básicos em alta, pipocam revoltas nos cinco continentes
Pior quadro é o da África, onde comida subiu 40% ou mais nos últimos seis meses, segundo ONU, e protestos culminaram em mortes
TANSA MUSA
DA REUTERS, EM IAUNDÉ
"Dizem que "um homem esfomeado é um homem irado'",
comentou Simon Nkwenti, líder de um sindicato de professores na República dos Camarões, após distúrbios deixarem dezenas de mortos no país africano. Faria bem aos líderes
mundiais lembrar o ditado no
momento em que suas populações empobrecidas enfrentam
a alta constante dos preços dos
alimentos, em função dos preços recordes do petróleo, do clima, da especulação nos mercados locais e nas bolsas mundiais de futuros.
Nos últimos seis meses, a revolta suscitada pelos altos custos dos alimentos e combustíveis vem gerando uma onda de
distúrbios violentos em várias
partes do mundo.
Dos desertos da Mauritânia
até a costa de Moçambique,
multidões têm saído às ruas.
Houve "levantes da tortilha" no
México, choques entre camponeses e policiais no leste da Índia, e, na Indonésia, centenas
de muçulmanos fizeram passeatas reivindicando redução
nos preços dos alimentos.
Para apaziguar os ânimos de
seus eleitores, os governos vêm
introduzindo controles de preços, limites às exportações e reduções nas tarifas alfandegárias. Mas, nas ruas da África, os
eleitores querem mais.
A África subsaariana é especialmente vulnerável: a maior
parte dos habitantes da região
sobrevive com menos de US$ 2
por dia, em países onde secas e
inundações são freqüentes e a
agricultura muitas vezes é praticada com métodos rudimentares. Para quem tem na comida a maior despesa, até um aumento pequeno nos preços dos
alimentos pode ser devastador.
"As pessoas vêm sendo levadas a atos destrutivos porque
não sabem mais o que fazer ou a
quem recorrer", diz o comerciante Ousmane Sanou, na Patte d'Oie, um dos bairros de Uagadugu, capital de Burkina Fasso, mais atingidos pelos tumultos de fevereiro. "Elas acham
que essa é a única forma de fazer com o que o governo mude
alguma coisa. Os preços têm de
cair. Se não, será a catástrofe."
Em Burkina Fasso, mais de
300 pessoas foram detidas nos
maiores distúrbios em anos, levando o governo a suspender
por três meses as tarifas sobre
importações de alimentos básicos. Apesar disso, os sindicatos
ameaçam com greve geral.
A revolta em torno da alta
dos preços também resultou
em violência na Mauritânia no
fim de 2007. E ao menos seis
pessoas morreram em Moçambique em fevereiro.
O Senegal, no ano passado,
enfrentou os piores distúrbios
em mais de uma década, quando centenas de jovens quebraram janelas e queimaram
pneus em revolta contra os altos preços e ações do governo
para tirar camelôs das ruas.
Forças de mercado
O Programa Mundial de Alimentos da ONU diz que os preços dos alimentos básicos subiram 40% ou mais em seis meses em partes da África. O FMI
anunciou em março que a inflação dos alimentos na África superou em 2,8% a inflação geral.
Na África do Sul, na semana
passada, o diretor do Banco
Central pediu um "aperto dos
cintos", enquanto a inflação
anual chegava a 9,4% -o pico
em cinco anos- em fevereiro.
O consumo já sofreu queda
acentuada. E isso tudo se soma
à escassez de energia na maior
economia da África.
A alta dos preços afeta tanto a
pequena classe média africana
quanto consumidores sul-africanos quanto gente mais pobre,
como o comerciante Sanou.
Apesar de os períodos de fome generalizada que marcaram
os anos 80 serem menos comuns, graças aos programas de
assistência e desenvolvimento,
há risco de um retorno à inflação crônica, algo que poderia
colocar em risco a relativa estabilidade econômica conquistada por muitos países africanos.
"Estamos frustrados. Estamos perplexos", disse Jean-Martin Tsafack, 32 anos, formado em direito mas que vive da venda de roupas importadas
de segunda mão na capital camaronesa, Iaundé. "Alguns de
nós viramos camelôs, outros,
carreteiros. Moças que foram
minhas colegas de classe na
universidade hoje se prostituem para ter o que comer."
Tradução de CLARA ALLAIN
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