São Paulo, quarta-feira, 06 de abril de 2011

Texto Anterior | Próximo Texto | Índice | Comunicar Erros

ANÁLISE

Nova doutrina põe entidade em função que não é a sua

RICHARD AL-QAQ
ESPECIAL PARA A FOLHA

O secretário-geral da ONU, Ban Ki-moon, autorizou as forças de paz da ONU na Costa do Marfim a empregar "todos os meios possíveis" para defender os civis pegos no fogo cruzado da guerra civil no país do oeste africano.
Os ataques representam um teste prático das declarações recentes de Ban sobre a nova doutrina "Responsabilidade de Proteger" (Responsibility to Protect, ou R2P, na sigla em inglês), estabelecida pela ONU em 2005.
Está emergindo algo que pode ser visto como a "doutrina Ban", que argumenta que a ONU tem o dever de proteger civis alvejados pelas Forças Armadas do seu próprio país.
Foi esse o raciocínio usado para justificar os ataques aéreos de uma coalizão contra as forças de Gaddafi na Líbia.
Na Costa do Marfim, com o apoio de forças francesas, a ONU reproduziu em escala menor a lógica política da intervenção na Líbia.
O problema com a aplicação da R2P e da "doutrina Ban" é que elas exigem que a ONU intervenha nos assuntos internos de um Estado soberano e "tome partido" de maneira ativa.
Na Costa do Marfim, o lançamento de mísseis da ONU para neutralizar as armas de Gbagbo não apenas protegeu civis, mas também abriu caminho para a provável tomada de Abidjã pelos rebeldes.
Logo, esse tipo de intervenção requer que a comunidade internacional escolha um "lado bom" e um "lado mau" -apesar de que, como acontece na Líbia e na Costa do Marfim, ambos os grupos rebeldes sejam acusados de alvejar civis.
Essa contradição vai levar a acusações de que a ONU apenas intervém sob o pretexto de proteger civis com a finalidade de auxiliar militarmente a facção política favorecida pela comunidade internacional.
Essa política tem o potencial de representar um tiro pela culatra para as Nações Unidas, ao levar forças de paz a aprofundar-se em papéis de combate para os quais elas não foram treinadas ou posicionadas.
No mais longo prazo, a doutrina ameaça solapar as bases do trabalho de resolução de conflitos da ONU, que são os valores da imparcialidade e neutralidade e a utilização da mediação para a promoção de acordos genuínos de paz.

RICHARD AL-QAQ é pesquisador da Escola de Estudos Orientais e Africanos (Universidade de Londres) Tradução de CLARA ALLAIN<BR>

Texto Anterior: ONU encurrala líder da Costa do Marfim e é alvo de reclamação
Próximo Texto: Onda de revoltas: EUA oferecem "deserção premiada" a líbios
Índice | Comunicar Erros



Copyright Empresa Folha da Manhã S/A. Todos os direitos reservados. É proibida a reprodução do conteúdo desta página em qualquer meio de comunicação, eletrônico ou impresso, sem autorização escrita da Folhapress.