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IMPRENSA
Para o jornalista americano, os jornais só passaram a criticar o governo "porque a Guerra do Iraque está indo para o inferno"
"Times" não é independente, diz Talese
RAFAEL CARIELLO
DE NOVA YORK
Para o escritor Gay Talese, um
dos maiores repórteres americanos, o "New York Times" nunca
foi independente do governo dos
EUA nem exerce um jornalismo
suficientemente crítico. A atual
atitude do jornal de maior prestígio dos EUA em relação à Guerra
no Iraque é fácil: "A imprensa só
passou a ser crítica porque a guerra está indo para o inferno".
Autor do livro mais conhecido
sobre o "Times", "O Reino e o Poder", Talese, 72, critica a imprensa
americana de forma geral e os jornais diários em particular. Responsável por relatos minuciosos
que o tornaram um dos principais
nomes do jornalismo literário, ele
diz que a mídia "não relata a notícia porque não a vê", confiando
em informações do governo.
Além disso, não mantém o distanciamento necessário de suas
fontes, e os jornais, concorrendo
com as redes de notícia 24 horas,
não têm tempo para "pensar". A
seguir, trechos da entrevista, feita
por telefone.
Folha - Como o sr. vê o texto dos
editores do "Times" reconhecendo
erros antes da Guerra do Iraque?
Gay Talese - Desde antes de a
guerra começar me parecia que as
reportagens dos jornais não questionavam, não eram céticas, não
tinham independência em relação à propaganda provinda do
Pentágono e da boca de gente como Condoleezza Rice [assessora
de Segurança Nacional da Casa
Branca]. Era um problema também dos editores, que não foram
suficientemente céticos -mas
eles estavam mergulhados no espírito de patriotismo que se seguiu aos ataques do 11 de Setembro. É um clichê dizer isso agora.
Os problemas começaram com
os repórteres "embutidos" [em
pelotões do Exército]. Fosse eu o
editor do "New York Times" ou
de qualquer outro jornal, jamais
teria permitido que um jornalista
estivesse lá, dentro de tanques. Isso torna o repórter um mascote
do "time". É preciso separar o jornalismo do governo, dos ministros da propaganda.
Folha - Há algo específico no
"New York Times" que permitiu
que isso acontecesse por lá?
Talese - Sobre o "New York Times", há algumas coisas que são
tão verdadeiras hoje quanto eram
há 30 anos, quando escrevi meu
livro sobre eles. É um jornal do establishment. Sua saúde financeira, a economia do "Times", é em
grande medida baseada na economia das forças que mandam no
país. As políticas do governo americano estão bastante em linha
com os interesses do "New York
Times" enquanto um jornal do
establishment.
Independentemente dos editores que, de tempos em tempos, dizem "somos independentes, independentes, independentes",
eles não são economicamente independentes. Nunca foram realmente independentes, com exceção de alguns episódios.
No caso do Vietnã, o primeiro
repórter a soar o alarme, pelo "Times", foi Harrison Salisbury. Em
1965, ele relatou o bombardeio de
Hanói. Todos no Departamento
de Estado disseram que ele era
um mentiroso, um comunista,
blá, blá. Depois, a guerra começou
a desandar, e o governo não pôde
mais vender essa história.
Pulemos para 2004. É a mesma
coisa. A mídia faz parte da operação, toda a mídia. Eles vão com os
vencedores. A idéia é ficar do lado
de quem está ganhando. Não há
dissidência neste país.
A imprensa só passou a ser crítica porque a guerra está indo para
o inferno. Não era há seis meses.
Só o é quando as coisas vão mal,
porque então é seguro estar do lado da crítica. Isso não é coragem.
Folha - O sr. vê falhas maiores
agora do que no passado?
Talese - O problema é que ela
não relata a notícia porque não a
vê. A notícia é entregue à mídia
por alguém -pelos generais, pelo
pessoal de relações públicas do
presidente. No afã de conseguir
informações de dentro, exclusivas, os jornalistas se tornam "embutidos" justamente com as pessoas das quais eles deveriam estar
desvinculados.
Mas, quando os carros do Exército começam a explodir, quando
bombas explodem edifícios,
quando as pessoas morrem, incluindo líderes no Iraque dessa
administração de fantoches que
estão criando, então, muito bem,
a história é outra.
A mídia age como um bando de
lobos. Movem-se dessa maneira.
Vêem uma carcaça e pulam sobre
ela. Quando essa carcaça era um
monstro, quando estava viva com
toda a mitologia de americanos
sendo bem recebidos com flores
no Iraque, a mídia apoiou.
Folha - Houve algum momento
ao longo do século 20 em que a imprensa tenha sido mais crítica?
Talese - Não. A mídia nunca foi
suficientemente crítica. Harrison
Salisbury era crítico. Outros repórteres também. Mas isso foi só
quando o Vietnã se tornou uma
experiência horrorosa. No início,
não era crítica.
Folha - O "New York Times" pode
sair maculado desses percalços?
Talese - Todo dia eles morrem, e
todo dia eles nascem. Todo dia é
um novo jornal, e tudo, cedo ou
tarde, é esquecido.
Folha - Há alguma publicação hoje nos EUA que o sr. considere suficientemente crítica?
Talese - A melhor publicação é a
revista "New Yorker". E [seu colaborador] Seymour Hersh é das
poucas pessoas corajosas do país.
Mas é uma revista semanal. Têm
mais tempo para pensar no que
vão escrever. Nos jornais, o que
escrevem hoje não tem a ver com
o que foi escrito ontem ou será
amanhã. Estão correndo tanto
para competir com as TVs a cabo,
com esses canais de notícias 24
horas. Não deviam competir.
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