São Paulo, domingo, 06 de junho de 2004

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Justiça seqüestra bens de "cartonero" acusado de se apropriar de US$ 50 mil achados na rua; ele diz que ganhou trabalhando

Catador de papel argentino vive pesadelo

Marcelo Cáceres-3.jun2004/"Clarín"
O "cartonero" (catador de papel) Paulo Altamiro, acusado de pegar dinheiro achado na rua


CLÁUDIA DIANNI
DE BUENOS AIRES

Achar dinheiro na rua é uma sorte. Encontrar US$ 50 mil é muita sorte. Mas, para o "cartonero" argentino Paulo Altamiro, o caso virou uma "dor de cabeça". A Justiça argentina seqüestrou os bens do catador de papel, sob acusação de que se apropriou de US$ 50 mil que teria encontrado na rua. O dinheiro teria sido jogado no lixo acidentalmente por uma empregada doméstica.
O caso aconteceu em Olivos, um município de 15 mil habitantes a 90 km de Buenos Aires. A denúncia foi feita por Emília Mascoy de Aguirre, 70, que diz ser dona do dinheiro.
Ela costumava guardar os dólares em uma caixa de papelão no sótão. Desconfiados do governo que, no auge da crise econômica em 2002, travou as movimentações financeiras impedindo saques, guardar dinheiro "debaixo do colchão" virou hábito na Argentina. Em maio, uma pesquisa revelou que em 82% dos lares argentinos há pelo menos uma pessoa que guarda dinheiro em casa.
Dona Emília, no entanto, esqueceu-se dos dólares. Em fevereiro, ela mandou a empregada fazer uma faxina no sótão, mas só deu falta do dinheiro há poucos dias, quando então fez a denúncia.
Cidade pequena, todo mundo repara na vida de todo mundo. Esse foi o problema para Altamiro. Os vizinhos começaram a comentar sobre o incremento patrimonial do cartonero, que recentemente mudou-se de casa, comprou dois carros usados e montou uma vendinha nos fundos da casa. Para dona Emília, as evidências não deixavam dúvidas: o cartonero tinha levado o dinheiro.
"Ele passava sempre para recolher caixas, e a empregada, que tinha pena, guardava coisas para ele", disse dona Emília. Altamiro nega. "Ganhei o dinheiro trabalhando, não sou um delinqüente."
Enquanto investiga o caso, a Justiça argentina seqüestrou a casa, os dois carros e duas aplicações de renda fixa de Altamiro. A mesma crise que levou dona Emília a guardar dinheiro em casa encheu as ruas da Argentina de cartoneros, uma profissão recente no país, que tem registrado altos níveis de desemprego.
"Não houve roubo. Ele recolhe lixo e, de qualquer forma, teria se apropriado de um bem móvel, sem dono, porque estava na via pública", disse ao jornal "Clarín" o advogado de Altamiro.
Altamiro mora com a mulher e os cinco filhos em uma casa que lhe custou 55 mil pesos (o equivalente em reais), para onde mudou-se há cerca de um mês. "Continuo trabalhando de cartonero e me dói muito tudo isso que esteja acontecendo."



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