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Disputas políticas ocultam conflitos raciais
DA ENVIADA ESPECIAL A LA PAZ
A explosão de conflitos de origem racial, escondidos sob as disputas envolvendo os temas da Assembléia Constituinte, autonomias regionais e nacionalização
dos hidrocarbonetos, está preocupando analistas na Bolívia, que
apontam para um processo de
"sul-africanização" no país.
Exacerbados pelos discursos
dos líderes sociais de cada lado, os
conflitos emergem da dicotomia
histórica entre os chamados
"cambas" e os "collas".
Os primeiros, do oriente, mestiços de europeus e indígenas, defensores da autonomia regional;
os segundos, do altiplano, majoritariamente quéchuas e aymaras,
favoráveis à nacionalização dos
hidrocarbonetos, à convocação
da Assembléia Constituinte e
contrários à autonomia.
As evidências, apontam analistas, são diversos episódios de violência de indígenas contra mestiços e não-indígenas registrados
durante as marchas em La Paz.
Em Santa Cruz, provocou alerta
a agressão, na última quarta-feira,
de membros da União Juvenil
Crucenista (UJC), partidários da
autonomia, a camponeses indígenas que marchavam pela nacionalização de hidrocarbonetos. Segundo a liderança da união, não
seriam permitidas ali manifestações de "collas do MAS" [Movimento ao Socialismo, do líder cocaleiro Evo Morales].
Para os especialistas, esses não
são casos isolados, mas sinalizam
o aumento da tensão racial no
país.
"É como um momento em que
saíssem à tona todas as contradições", disse à Folha a socióloga
boliviana Susana Donoso. "E nesse momento, está crescendo o discurso de estimulação do racismo", ela afirma.
"Apesar de hoje estar centrado
em La Paz, o eixo de conflitos tende a mover-se em direção ao
Oriente na medida em que os
conflitos vão se "racializando'",
apontou o cientista político boliviano Eduardo Gamarra.
"Em La Paz já estão acontecendo confrontos raciais. Em Santa
Cruz também. Os movimentos,
indígenas ou antiindigenistas, são
protofascistas, e isso numa sociedade em que os níveis de intolerância são enormemente altos.
Um conflito étnico seria catastrófico", afirmou.
"Creio que a Bolívia está vivendo um processo de sul-africanização. O problema é que não temos
nenhum [Nelson] Mandela [líder
sul-africano anti-apartheid]. Podemos ter muitos Mugabes [Robert Mugabe, ditador do Zimbábue, que determinou desapropriação de terras da minoria
branca em seu país], mas nenhum
Mandela", avaliou Gamarra.
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