São Paulo, segunda-feira, 06 de junho de 2005

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Disputas políticas ocultam conflitos raciais

DA ENVIADA ESPECIAL A LA PAZ

A explosão de conflitos de origem racial, escondidos sob as disputas envolvendo os temas da Assembléia Constituinte, autonomias regionais e nacionalização dos hidrocarbonetos, está preocupando analistas na Bolívia, que apontam para um processo de "sul-africanização" no país.
Exacerbados pelos discursos dos líderes sociais de cada lado, os conflitos emergem da dicotomia histórica entre os chamados "cambas" e os "collas".
Os primeiros, do oriente, mestiços de europeus e indígenas, defensores da autonomia regional; os segundos, do altiplano, majoritariamente quéchuas e aymaras, favoráveis à nacionalização dos hidrocarbonetos, à convocação da Assembléia Constituinte e contrários à autonomia.
As evidências, apontam analistas, são diversos episódios de violência de indígenas contra mestiços e não-indígenas registrados durante as marchas em La Paz.
Em Santa Cruz, provocou alerta a agressão, na última quarta-feira, de membros da União Juvenil Crucenista (UJC), partidários da autonomia, a camponeses indígenas que marchavam pela nacionalização de hidrocarbonetos. Segundo a liderança da união, não seriam permitidas ali manifestações de "collas do MAS" [Movimento ao Socialismo, do líder cocaleiro Evo Morales].
Para os especialistas, esses não são casos isolados, mas sinalizam o aumento da tensão racial no país.
"É como um momento em que saíssem à tona todas as contradições", disse à Folha a socióloga boliviana Susana Donoso. "E nesse momento, está crescendo o discurso de estimulação do racismo", ela afirma.
"Apesar de hoje estar centrado em La Paz, o eixo de conflitos tende a mover-se em direção ao Oriente na medida em que os conflitos vão se "racializando'", apontou o cientista político boliviano Eduardo Gamarra.
"Em La Paz já estão acontecendo confrontos raciais. Em Santa Cruz também. Os movimentos, indígenas ou antiindigenistas, são protofascistas, e isso numa sociedade em que os níveis de intolerância são enormemente altos. Um conflito étnico seria catastrófico", afirmou.
"Creio que a Bolívia está vivendo um processo de sul-africanização. O problema é que não temos nenhum [Nelson] Mandela [líder sul-africano anti-apartheid]. Podemos ter muitos Mugabes [Robert Mugabe, ditador do Zimbábue, que determinou desapropriação de terras da minoria branca em seu país], mas nenhum Mandela", avaliou Gamarra.

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