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São Paulo, domingo, 06 de julho de 2003

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COMPORTAMENTO

Problema, causa prejuízo anual de US$ 117 bilhões nos EUA, leva companhias alimentícias a rever seus produtos

Obesidade muda oferta de comida no mundo

ROBERTO DIAS
DE NOVA YORK

O crescimento da obesidade começa a mudar significativamente a oferta de comida pelo mundo.
Após anos concentrada na demanda -ou seja, em educação alimentar das pessoas-, a pressão passa agora para o outro lado.
A reviravolta ganhou forma com o anúncio feito na última semana pela Kraft, líder americana no setor alimentício e segunda maior empresa do tipo no mundo. A companhia vai estabelecer um teto para o tamanho das porções que vende. Irá reestudar o conteúdo de alguns produtos, de forma a torná-los menos calóricos. Cessará todo o programa de marketing dentro das escolas.
Enquanto outras empresas trilham os passos da Kraft, autoridades públicas e organizações internacionais introduzem barreiras à oferta de comida.
A revolução começa já no próximo ano letivo nas escolas públicas de Nova York, o maior sistema civil de alimentação dos EUA. Pizzas e nuggets vão encolher, doces irão sumir, assim como os refrigerantes, que serão tirados das máquinas de alimentação.
Um deputado nova-iorquino apresentou uma proposta para que se cobre 1% do faturamento com comidas gordurosas e os gastos em sua publicidade. Na Califórnia, a idéia é taxar refrigerantes e repassar o dinheiro a escolas que deixem de vendê-los. Já a Associação Médica Britânica propôs recentemente imposto de 17,5% sobre comidas gordurosas.
A OMS (Organização Mundial de Saúde) encerrou em junho uma rodada de reuniões com associações empresariais do setor. Vai condensar o debate numa estratégia global de alimentação.
"A magnitude e a velocidade do aumento da epidemia horrorizam autoridades de saúde; os custos serão estonteantes. E a ameaça de processos, novas leis e hostilidade pública assustam as empresas", afirma Marion Nestle, professora de nutrição da New York University e autora de livro sobre o tema.
Especificamente, o anúncio mundial da Kraft é emblemático da discussão em andamento agora. Controlada pela Altria (ex-Philip Morris), gigante do setor de tabaco, ela diz que tomou tal decisão porque quer participar da reação ao problema de peso.
"Queremos ser responsáveis e dar uma resposta à questão global da obesidade", diz Jonathan Atwood, porta-voz da empresa. "Queremos deixar claro que o que nós vendemos e como vendemos é feito responsavelmente em relação à maneira que as pessoas comem e à questão do peso", afirma Atwood.

Processos judiciais
Mas o anúncio foi seguido por intermináveis comparações entre a situação atual do setor de alimentos e a da indústria de tabaco na década passada, quando foi alvo de processos judiciais e novas regulamentações.
"O crescimento da obesidade a proporções epidêmicas é motivo de séria preocupação para a indústria de alimentos", escreveram analistas do banco JP Morgan em relatório. "Dado o custo humano do mal, acreditamos que os governos não poderão ignorar a pressão de organizações de saúde para agir. Fabricantes de comida correm o risco de aumento nas regulações. Também acreditamos que os riscos de processos não devem ser subestimados. A indústria vai ter que rever seu marketing e se transformar."
As empresas rebatem apontando a liberdade dos consumidores em fazer o que querem e pregam a necessidade de reeducação física e alimentar, algo repetido há anos por médicos. Do ponto de vista das empresas, o problema é que a tentativa de regular a demanda não tem contido o problema.
"A obesidade está se tornando um problema em países como China e Índia, que eram tradicionalmente tão pobres que ninguém ficava gordo. A comida ficou tão barata que qualquer pessoa pode engordar se não tiver um trabalho que exija muita atividade física", diz Jack Calfee, do American Enterprise Institute.
A estimativa da OMS é que os obesos somem mais de 300 milhões pelo mundo, sendo 115 milhões em países subdesenvolvidos -tradicionalmente mais preocupados com o problema oposto, a subnutrição. Doenças relacionadas ao excesso de peso representam 59% das 56,5 milhões de mortes anuais no globo.
Nos EUA, o problema já foi declarado "epidêmico" pelo governo. Em 20 anos, a obesidade dobrou entre os adultos. A perspectiva para o futuro é pior ainda, já que os índices crescem mais rápido ainda entre as crianças -no mesmo período, triplicaram.
Estudo do Harvard Institute of Economic Research mostra que, no período, o maior crescimento no consumo de calorias se deu nos lanches -campo dominado por produtos industrializados.
Segundo o governo, 61% dos americanos estão acima do peso, e 27% deles são obesos (ou seja, com índice de massa corpórea a partir de 30). Há mais gente sofrendo com a balança do que fumando diariamente ou enfrentado problemas de alcoolismo.
Por ano, o prejuízo nos EUA por causa da obesidade é de US$ 117 bilhões (pouco menos que todo o PIB do Peru, por exemplo). O número incluiu as perdas econômicas com mortes precoces, queda de produtividade e investimento extra em saúde. Levantamento da Rand Corporation indica que obesos gastam 77% mais em medicamentos do que quem não tem problemas de peso.


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