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SAÚDE
OMS declara a doença erradicada em Taiwan, o último país ainda na lista; especialistas dizem que é cedo para festejar
Sars retrocede, mas pode voltar em meses
CLAUDIO ANGELO
EDITOR-ASSISTENTE DE CIÊNCIA
FABIANO MAISONNAVE
DA REDAÇÃO
A epidemia de Sars foi oficialmente contida ontem, quando a
Organização Mundial da Saúde
(OMS) declarou a erradicação da
doença em Taiwan, último país da
lista dos infectados. O controle do
surto, menos de sete meses após
seu surgimento, na China, é um
marco na história do combate a
doenças infecciosas. Mas especialistas advertem que ainda é cedo
demais para comemorar.
"Não estamos celebrando o fim
da Sars hoje. Mas observamos um
marco: a epidemia foi contida",
disse Gro Harlem Brundtland, diretora-geral da OMS.
"Há várias perguntas sem resposta", disse à Folha o americano
David Heymann, 61, chefe do departamento de doenças transmissíveis da organização. "A doença
permanece endêmica, mas sendo
transmitida em níveis que não
podemos detectar? Vai aumentar
sazonalmente? Vamos ter surtos
outra vez no próximo ano? Ou ela
desapareceu completamente dos
humanos e não será reintroduzida? Não sabemos."
A OMS estabeleceu como critério para decretar um dado país livre da Sars o fato de esse país estar
há 20 dias -o dobro do tempo de
incubação do vírus causador da
doença- sem um caso novo.
No entanto, para o microbiologista Donald Low, 58, que coordena o combate à Sars em Toronto,
o critério da OMS é uma "fórmula
mágica". "No dia 14 de maio, a
OMS declarou que o surto havia
acabado em Toronto. Mas ainda
tínhamos pacientes internados
em hospitais. O que criticamos é
que ninguém nos perguntou se o
surto tinha acabado."
A maior cidade do Canadá sofreu um segundo surto de Sars,
controlado na semana passada.
Para Low e vários outros infectologistas, a prova dos noves deverá acontecer nos próximos três
meses, quando o outono começa
a esfriar o hemisfério Norte.
A mudança de estação é a época
em que os vírus respiratórios
mais se propagam. O coronavírus
Urbani, micróbio causador da
Sars, pertence à mesma família de
alguns dos causadores do resfriado comum. Portanto, o outono
chinês é uma data decisiva para
saber se o vírus foi realmente eliminado da população humana.
Segundo o infectologista Marcelo Burattini, da USP, a tentativa
de devolver o parasita à natureza
pode ter falhado. "Todas as populações submetidas ao vírus tiveram casos secundários."
Burattini, que tem elaborado
projeções em computador do
comportamento da epidemia
(leia texto abaixo), diz que não é
possível fazer uma previsão cientificamente embasada sobre o
eventual retorno da Sars porque
ninguém sabe como o vírus saiu
da natureza para os humanos.
O chamado reservatório natural, ou a espécie da qual o coronavírus "pulou" para os seres humanos, ainda é desconhecido. Se
existe vírus circulando nele, pode
acontecer uma nova epidemia.
A OMS estima que o impacto de
um eventual novo surto seja menor, porque a rede global de vigilância contra vírus respiratórios,
ativada em 1997, após a chamada
"gripe da galinha" de Hong Kong,
já está preparada para a Sars.
E, até lá, estima Heymann, testes de detecção precoce e vacinas
poderão estar disponíveis, com
investimentos dos países ricos.
"Os países do hemisfério Norte
têm de estar interessados em todas as doenças infecciosas."
O vírus causador da Sars foi
identificado em tempo recorde,
fato comemorado pela comunidade científica e que deixa a OMS
fortalecida politicamente. Com a
Aids, última grande pandemia, o
mundo levou três anos só para reconhecer o agente, seis anos para
adotar medidas eficazes e 13 para
adotar um esquema terapêutico.
No caso da Sars, o alerta global
foi dado em uma semana. Em 40
dias, o agente já estava identificado -e seu genoma, sequenciado- e em 50 dias a epidemia estava sendo controlada.
Avanços limitados
A elaboração de um teste confiável para detecção da doença e a
padronização um tratamento para pacientes de Sars, no entanto,
ainda estão longe do ideal.
"O tratamento é uma bagunça",
resume Low. "Nós medicamos
mais de 200 pessoas com ribavirina [droga que corta a replicação
do vírus], mas hoje quase todo o
mundo concorda que se trata de
uma terapia inócua."
"Apesar de termos visto milhares de casos de Sars, não fizemos
nenhum ensaio clínico apropriado para analisar as drogas administradas. Não estamos melhores
agora em comparação com quatro meses atrás." Os avanços nas
pesquisas sobre testes de detecção
também são insuficientes.
"Precisamos de testes que detectem o vírus cedo. Caso contrário, nossas atividades de vigilância serão muito difíceis, porque
dependeremos de testes de anticorpos, que só funcionam de 20 a
25 dias depois do começo da
doença", afirma Heymann.
Para especialistas, as medidas
mais eficazes para conter a doença não surgiram a partir de avanços tecnológicos e descobertas
científicas. O que funcionou mesmo foi a boa e velha quarentena.
Leia mais sobre o assunto na
www.folha.com.br/031841
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