São Paulo, domingo, 06 de julho de 2008

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Farc terão agonia lenta caso não negociem, diz general

Ministro da Defesa de Uribe, prestigiado por resgate, seria favorito para sucessão se presidente desistir de buscar terceiro mandato

Instrutor de comandantes militares colombianos espera lucidez de chefe da guerrilha


Scott Dalton - 1º.mai.00/Associated Press
Alfonso Cano, o chefe das Farc; interceptação telefônica impede comunicação entre guerrilheiros e foi fundamental para resgate

ELIANE CANTANHÊDE
ENVIADA ESPECIAL A BOGOTÁ

O general da reserva Álvaro Valencia Tovar, uma das principais autoridades em defesa e segurança da Colômbia, tem duas certezas: a vitoriosa ação de resgate da ex-senadora Ingrid Betancourt, três norte-americanos e 11 policiais e militares do próprio país foi planejada e executada exclusivamente pelo Exército colombiano, e é "totalmente falso, uma absoluta mentira" que o governo tenha comprado guerrilheiros.
Na ativa, Valencia foi instrutor dos atuais comandantes das três Forças, Freddy Padilla, e do Exército, Mario Montoya, e garante que as Farc (Forças Armadas Revolucionárias da Colômbia) estão cercadas, grampeadas, sem comunicação e sem abastecimento e só têm duas alternativas: negociar ou se autodestruir "numa agonia lenta e inevitável".
Aos 80 anos, Valencia é um misto de consultor, colunista e mentor de gerações militares. Lúcido, é capaz de ditar números, datas e nomes sem titubear. Segue a entrevista, feita em sua casa em Bogotá.

 

FOLHA - O que vai acontecer com as Farc?
ALVARO VALENCIA TOVAR
- Elas não acabaram. Foi um golpe muito duro, que as debilita ainda mais, mas não sabemos qual será a reação do Alfonso Cano [líder das Farc desde a morte de Manuel Marulanda, em março]. Ele queria a guerra de qualquer jeito. Entretanto estudou antropologia e, mesmo sem se graduar, tem um nível intelectual mais alto que o dos demais líderes das Farc. Ou seja, tem a compreensão necessária para aceitar que estão derrotados e têm de negociar. O objetivo do governo não é destruir as Farc, é acabar com a guerra.

FOLHA - O que o governo poderia oferecer, com que condições?
VALENCIA
- Já há a Lei de Justiça, Paz e Reparação, que permite lhes dar um tratamento especial. Foi feita para os narcotraficantes, mas pode ser aplicada para essas forças revolucionárias. Mas eles teriam a obrigação de reparar, com o dinheiro que têm, as famílias que foram mais prejudicadas neste período de guerra. Teriam que se submeter à Justiça, mas com termos de sentença bastante favoráveis e com condições de reingresso à vida normal num tempo relativamente curto.

FOLHA - Com tanto dinheiro, elas não podem ter sobrevida?
VALENCIA
- Eles estão dispersos, com dificuldades de abastecimento, suas comunicações estão destruídas. Como vão coordenar suas ações se não podem abrir a boca porque o Exército se inteira de tudo?

FOLHA - Como o chefe responsável pelos reféns foi tão ingênuo de juntar justamente os mais importantes e embarcá-los candidamente num helicóptero desconhecido?
VALENCIA
- Porque quem lhe passou a instrução imitou perfeitamente a voz de Alfonso Cano e ele estava impossibilitado de checá-la, para não ser captado pela inteligência militar. Tudo foi muito bem calculado. A inteligência militar sabia exatamente onde eles estavam porque há infiltrações bem feitas.

FOLHA - Uma rádio suíça divulgou que foram pagos US$ 20 milhões para o resgate deles.
VALENCIA
- Isso é totalmente falso, não tem nenhuma base que possa ser comprovada. É negar que o presidente e o Exército da Colômbia fizeram uma operação perfeita, que fizeram. O general Padilla deu sua palavra de honra de que não se deu um só peso. A prova são os dois comandantes que entraram no helicóptero. Nenhum chefe guerrilheiro se entrega para ser enviado aos EUA e ali pagar seus delitos.

FOLHA - E o infiltrado continua com as Farc? E o perigo?
VALENCIA
- Possivelmente, o que corre mais perigo é o que vigiava os seqüestrados. O serviço de inteligência está convencido de que os infiltrados não serão identificados porque estão em posições importantes.

FOLHA - Se não houver negociação, o que vai acontecer?
VALENCIA
- Podem seguir guerrilhas pequenas, isoladas, mas presas ao narcotráfico. Até quando? Isso é uma agonia lenta e inevitável. Eles vão se encarregar da própria destruição.

FOLHA - Pode haver um ataque definitivo contra elas?
VALENCIA
- Não um ataque único, definitivo, como numa guerra convencional, porque eles estão muito dispersos. Mas pode haver, sim, uma série de ataques pequenos e precisos. E, na medida em que o Exército for fechando o cerco, vão se repetir as "Karinas" [Nelly Ávila, líder que ficou isolada e perdida e acabou se entregando], as delações contra os próprios chefes e as dos camponeses, seja por causa das recompensas, que podem chegar a milhares de pesos, seja porque a guerrilha virou uma praga, a população civil quer acabar com ela.

FOLHA - Diante desse quadro, é possível que a guerrilha se refugie além-fronteiras, como no Equador?
VALENCIA
- Possível é, mas eles não têm perspectiva de êxito em nenhum país, não vai adiantar nada. Até Fidel Castro já diz que guerrilha não tem mais sentido de ser. A revolução cubana foi contra um ditador e um governo corrupto, com um Exército que não passava de guarda pretoriana do ditador. Hoje, os países latino-americanos têm democracias que podem ser mais ou menos perfeitas, mas já não há mais um ditador que justifique tomar o poder pelas armas.

FOLHA - Como o sr. vê o regime de Chávez na Venezuela?
VALENCIA
- Num determinado momento, ele quis transformar as Farc num instrumento para mudar o poder na Colômbia e completar uma zona de governos do seu projeto bolivariano, que já tem Rafael Correa [Equador], Evo Morales [Bolívia] e Daniel Ortega [Nicarágua]. Quando vieram os computadores de Raúl Reyes [líder morto das Farc], comprovando que ele, sim, as apoiou, ele temeu que Uribe o denunciasse na ONU como governo delinqüente. Ele apoiou as Farc dentro de uma perspectiva de poder, que elas não mais têm. O mesmo vale para Correa, que está numa posição tão radical contra a Colômbia.

FOLHA - Por que Uribe está tão isolado no continente?
VALENCIA
- Porque os países, sobretudo andinos, estão muito influenciados por Chávez. Foram eleitos com dinheiro de Chávez e viraram chavistas. Uribe é o contrário de Chávez.

FOLHA - E a excessiva dependência dos EUA?
VALENCIA
- A posição da Colômbia é de aliada dos EUA, e a esquerda latino-americana sempre foi antigringa. Um presidente "gringófilo" não merece maior apoio dos demais.

FOLHA - E o Brasil? Ele também votou contra a Colômbia na OEA no caso do Equador.
VALENCIA
- Sim, porque há o princípio da soberania e a Colômbia de fato violou esse princípio, mas há um artigo na Carta da ONU que ressalva a legítima defesa, em caso de se sentir ameaçado por outros países que apóiam no terrorismo. O Equador já tinha sido avisado várias vezes da presença das Farc e nunca fez nada.

FOLHA - Mas e o Brasil?
VALENCIA
- O Brasil é neutro. Não concorda com tudo do governo da Colômbia manifestamente, mas tampouco é hostil. Lula mantém excelentes relações conosco, mas não quer se imiscuir de nenhuma maneira no nosso problema. Pode ser que tenha razão.

FOLHA - Lula é mais amigo de Chávez ou de Uribe?
VALENCIA
- Também é neutro. Ele sabe que Chávez quer ser amigo para tirar vantagens, não para ser amigo. Lula é muito inteligente para cair nessa.

FOLHA - O sucesso do resgate de Ingrid Betancourt vai impulsionar a tese do terceiro mandato de Uribe?
VALENCIA
- Sem dúvida, mas não se sabe se ele vai de fato buscar o terceiro mandato. Até porque muitos partidários dele na Colômbia não são partidários do terceiro mandato. No meu caso, acho que um terceiro mandato pode fazê-lo perder muito do que já ganhou, inclusive internacionalmente.

FOLHA - Se não disputar, quem será o candidato dele?
VALENCIA
- Não creio que já tenha um, mas o que ele veria com mais gosto hoje seria o ministro da Defesa, Juan Manuel Santos, sobretudo depois desse êxito do resgate de Ingrid Betancourt.


NA INTERNET -
www.folha.com.br/081871

Leia a íntegra da entrevista com o general Valencia Tovar



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