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ENTREVISTA - TARJA HALONEN
Para presidente da Finlândia, transparência evita corrupção
País, que conta com o menor índice de corrupção do mundo, tem uma forte presença do Estado em vários setores
A CHAVE PARA O COMBATE à corrupção é a
transparência de informações e a boa remuneração do servidor público, diz a presidente da Finlândia, Tarja Halonen, 63.
No país, nem os rendimentos individuais são protegidos por sigilo -pode-se consultar os salários de qualquer cidadão. Advogada, Halonen diz temer que a
Amazônia seja afetada pelo avanço da produção de álcool e que seu governo pode ajudar a preservar a área.
ELVIRA LOBATO
ENVIADA ESPECIAL A HELSINQUE
Não é só a baixa temperatura
do verão (que chega a cair até
8C durante o dia) que surpreende o brasileiro em Helsinque, a capital da Finlândia
que será visitada pelo presidente Luiz Inácio Lula da Silva entre os próximos dias 9 e 11. O
maior impacto é constatar as
razões que fazem da Finlândia
o país com menor índice de corrupção do mundo, ao lado da
Islândia e da Nova Zelândia.
Os segredos, segundo contou
em entrevista à Folha e ao "Valor" a presidente Tarja Halonen, 63, são a transparência e
um bom salário para os funcionários públicos. Membro do
Partido Social-Democrata, Halonen foi eleita em 2000, para
mandato de seis anos, e reeleita
no ano passado. Ela é a primeira mulher a ocupar o cargo na
história da Finlândia.
Além de não ter corrupção
perceptível, a Finlândia se orgulha de preservar o ambiente
(dois terços do território são
florestas e há 190 mil lagos) e
do ensino gratuito a todos, do
básico à universidade.
Halonen -uma senhora de
cabelos vermelhos e curtos e de
fala pausada- começou a entrevista lembrando que já esteve quatro vezes no Brasil, a primeira para a posse de Fernando Collor, em 1990. Lula, por
sua vez, será o primeiro presidente brasileiro a visitar a Finlândia -mas não o primeiro
chefe de Estado, pois d. Pedro
2º já lá esteve.
Em relação à política brasileira, ela comentou, bem-humorada, seu espanto diante do
troca-troca partidário. ""Compreendemos que uma pessoa
possa se casar duas, três vezes,
mas mudar de partido é incompreensível."
Leia, a seguir, os principais
trechos da entrevista.
PERGUNTA - A corrupção existe nos
países pobres e ricos, mas, nos primeiros, tornou-se uma praga que
afeta o desenvolvimento econômico e social. Como a Finlândia controla a corrupção?
TARJA HALONEN - Obviamente
sempre é bom ter mecanismos
de controle, mas o mais importante é a administração ser
aberta. Se a preparação e a elaboração das decisões políticas,
dos convênios e dos tratados
são públicas desde o início, é
impossível que a corrupção tenha lugar na tomada de decisão. A administração aberta está relacionada não só ao setor
público, mas ao setor privado
também.
Outra coisa importante é que
os salários sejam suficientes.
Não estou falando do Brasil,
mas, em muitos países, os funcionários ganham tão pouco
que são obrigados a buscar dinheiro em outra parte. Se a pessoa não consegue se sustentar
com o salário que recebe, a tentação da corrupção é muito
grande. Mas tem gente que
nunca está contente.
PERGUNTA - E como controlar os
que nunca estão contentes?
HALONEN - Há um debate no
país sobre a insatisfação das enfermeiras. Todos concordam
que seu salário não é bom, e
muitas procuram ocupação em
outra área. O debate político é
se vale a pena formar tantas enfermeiras se elas não vão exercer a profissão. Uma alternativa para elas seria a corrupção,
mas isso não é aceito.
PERGUNTA - No Brasil, o rendimento salarial é protegido por sigilo. Os
salários [de ocupantes de cargos públicos] são divulgados pelo governo,
e os vizinhos denunciam a existência de sinais externos de riqueza incompatíveis com a renda.
HALONEN - Temos obrigação de
informar nossos salários e se
temos propriedades, para pagamento de impostos. Se as autoridades de fiscalização constatam que os bens não correspondem aos ganhos, exigem explicação. Os patrões têm obrigação de reter um percentual
dos salários para a Previdência.
O trabalhador pode tentar negociar com o patrão para que
ele informe só parte do salário
ao governo, mas, como a aposentadoria é proporcional ao
salário, isso não convém [o assalariado pode se aposentar aos
63 anos, com 60% da média salarial dos últimos quatro anos,
ou aos 68, com 80% do salário].
Todos os salários e impostos
pagos pelo funcionalismo público são informação pública.
Isso não é agradável, mas há
que se acostumar.
PERGUNTA - A experiência educacional finlandesa é muito positiva. O
que fazer para melhorar um sistema
educacional que não é bom?
HALONEN - É muito importante
ter coragem de alocar os recursos no ensino básico e criar
uma base sólida, pois dessa maneira é possível desenvolver a
justiça social. A responsabilidade pela educação é do poder
municipal, mas o Estado tem,
por lei, que dar subsídios às
áreas mais necessitadas. Outro
ponto importante é que as universidades e instituições de
pesquisa estejam conectadas
com a vida comercial e laboral.
A universidade na Finlândia
recebe apoio do Estado, mas
tem total autonomia.
PERGUNTA - A Finlândia tem uma
uma economia liberal, mas com forte presença do Estado. Em que atividades o Estado é necessário?
HALONEN - O sistema de bem-estar nórdico se baseia no Estado. Os serviços sociais e de saúde são construídos com fundos
públicos. Temos médicos particulares, mas os hospitais são
públicos. A administração da
educação é majoritariamente
pública. Não temos universidades privadas. Quanto aos meios
de comunicação, a imprensa
escrita sempre foi privada. A
radiodifusão começou com recursos públicos, mas agora
também há canais privados.
A presença estatal é necessária em setores que, como energia e infra-estrutura, requerem
muitos investimentos.
PERGUNTA - O modelo neoliberal é
impeditivo do desenvolvimento dos
países pobres?
HALONEN - Achamos que as decisões que repercutem em várias gerações têm de visar justiça e igualdade social. As crianças não podem escolher seus
pais, então o Estado tem que
apoiar as famílias com crianças.
Investir nas crianças, nos adultos e no meio ambiente -este é
um dos temas que unem Brasil
e Finlândia.
PERGUNTA - A Finlândia se preocupa com a situação da Amazônia? Em
que poderia ajudar a preservá-la?
HALONEN - Os países que compartilham a Amazônia têm estudado muito o tema nos últimos anos. Temos interesse nas
riquezas naturais da região e
gostaríamos que as pessoas que
moram nela, em condições primitivas, pudessem conservar o
entorno onde vivem. Um dos
temas que vamos aprofundar
com Lula é a exploração de madeira. Queremos mostrar nossa
experiência de preservação e
desenvolvimento sustentável.
PERGUNTA - A senhora teme a devastação de florestas para a produção de álcool?
HALONEN - Estamos muito
preocupados, naturalmente.
Mas os brasileiros também estão. Não quero me meter na política interna do Brasil, mas temos muitas experiências sobre
o direito de possessão e o registro de terras. A maior parte das
matas da Finlândia pertence ao
Estado, e temos uma longa negociação com a população indígena, ao Norte.
Conheço bastante a questão
da terra no Amazonas. Temos
participado de projetos de cooperação e apoio a seringueiros.
As situações não são iguais, mas
podemos ajudar os brasileiros a
resolver essa questão.
PERGUNTA - O que mudou no país
sob a gestão feminina?
HALONEN - As mulheres finlandesas conquistaram direitos
políticos há cem anos, e a Presidência era o último posto que
não tinham alcançado. Eu acho
que a maior mudança é psicológica. É muito importante que as
crianças saibam que, seja garoto ou garota, qualquer um pode
chegar a ser presidente de seu
país, e ser o que quiser.
A jornalista ELVIRA LOBATO viajou a Helsinque
a convite do governo da Finlândia
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