São Paulo, domingo, 06 de setembro de 2009

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entrevista

"Não se pode governar apenas com os pobres"

DA REDAÇÃO

Líder histórico da esquerda uruguaia e hoje candidato à Presidência, José Mujica diz que é impossível governar apenas com os pobres e que buscará a aliança de classes caso vença a eleição de outubro. Conhecido pelo estilo informal, disse sentir preconceito por não se encaixar no estereótipo de um presidente e que, depois da prisão durante a ditadura militar, aprendeu a viver com muito pouco. Ele conversou com a Folha, por telefone, na última terça. (GH)

 

FOLHA - Era preciso mudar ideológica e até fisicamente para tentar a Presidência?
MUJICA -
Algum preço tenho de pagar [para me adequar ao que esperam de um presidente], mas não posso pagar muito, porque aí me dou mal. Cada um é como é. E o hábito não faz um monge. Não?

FOLHA - Está disposto a aliar-se com o centro e com a direita?
MUJICA -
Nós temos que lutar pela integração do país. Inequivocamente, temos de fazer alianças de classe. De alguma maneira é preciso chamá-los [ricos]. O problema mais grave é que não se pode governar um país com os pobres. É preciso governar para ajudá-los a subir na escala social. O pior da pobreza é que não dá a oportunidade de cultivar a massa cinzenta. Então, precisamos pedir à pequena burguesia que nos empreste pessoas, que nos ajude e participe de tudo isso, porque senão o país fica sem condução. E, quando falo em condução, não me refiro ao aparato de governo, falo de toda a sociedade.

FOLHA - As alianças não significam abandono de ideais?
MUJICA -
Eu não conseguirei o socialismo com o poder do Estado, de cima para baixo, precisa ser um processo de maturação, de baixo. E há pré-requisitos, precisa ser a partir de uma sociedade rica e culta. Fazer países socialistas a partir de países pobres não dá resultado.

FOLHA - O senhor acredita que sofre algum tipo de preconceito?
MUJICA -
É notório. Não me encaixo no estereótipo de presidente uruguaio, que sempre tem sido um senhor com cara de herói nacional, bem vestido. Eu tenho origem meio camponesa, pouco formal em minhas maneiras, um homem que não usa gravata. Mas para ver Lula coloquei um terno, para dizer às pessoas: se é preciso, vamos colocar, não há problema.

FOLHA - A imprensa uruguaia disse que foi a primeira vez que vestiu um terno e, mesmo assim, sem gravata. Verdade?
MUJICA -
É um exagero, já havia colocado algumas vezes, mas muito pouco. E estou na vanguarda, não usei gravata porque está condenada a morrer em dez anos.

FOLHA - O senhor vive sem luxo por opção?
MUJICA -
É minha opção pessoal. Vivi muitos anos preso [durante a ditadura], praticamente sem nada. Por quase uma década, ficava feliz se me dessem um colchão. Aprendi que se pode viver com muito pouco. Se tivesse muitas coisas, elas me escravizariam, me obrigariam a trabalhar para mantê-las. Aí, em vez de ser mais livre, seria menos livre. Para mim, liberdade é tempo gasto com o que gosto. A austeridade é uma forma de riqueza.

FOLHA - O senhor tem carro?
MUJICA -
Tenho um besouro [fusca] brasileiro dos anos 80. É maravilhoso, não estraga nunca.

FOLHA - Que papel o senhor atribui ao Brasil na região?
MUJICA -
O Brasil precisa liderar esse fenômeno de integração, mas quem lidera tem a obrigação de ser generoso. A Alemanha aprendeu isso depois de duas guerras. Pode contribuir para uma unidade maior, que é do que precisam os latino-americanos. Talvez o Brasil não precise por causa da economia, mas precisa politicamente.


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