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entrevista
"Não se pode governar apenas com os pobres"
DA REDAÇÃO
Líder histórico da esquerda uruguaia e hoje candidato
à Presidência, José Mujica
diz que é impossível governar apenas com os pobres e
que buscará a aliança de classes caso vença a eleição de
outubro. Conhecido pelo estilo informal, disse sentir
preconceito por não se encaixar no estereótipo de um
presidente e que, depois da
prisão durante a ditadura
militar, aprendeu a viver
com muito pouco. Ele conversou com a Folha, por telefone, na última terça.
(GH)
FOLHA - Era preciso mudar ideológica e até fisicamente para tentar a Presidência?
MUJICA - Algum preço tenho
de pagar [para me adequar ao
que esperam de um presidente], mas não posso pagar
muito, porque aí me dou mal.
Cada um é como é. E o hábito
não faz um monge. Não?
FOLHA - Está disposto a aliar-se
com o centro e com a direita?
MUJICA - Nós temos que lutar pela integração do país.
Inequivocamente, temos de
fazer alianças de classe. De
alguma maneira é preciso
chamá-los [ricos]. O problema mais grave é que não se
pode governar um país com
os pobres. É preciso governar para ajudá-los a subir na
escala social. O pior da pobreza é que não dá a oportunidade de cultivar a massa
cinzenta. Então, precisamos
pedir à pequena burguesia
que nos empreste pessoas,
que nos ajude e participe de
tudo isso, porque senão o
país fica sem condução. E,
quando falo em condução,
não me refiro ao aparato de
governo, falo de toda a sociedade.
FOLHA - As alianças não significam abandono de ideais?
MUJICA - Eu não conseguirei
o socialismo com o poder do
Estado, de cima para baixo,
precisa ser um processo de
maturação, de baixo. E há
pré-requisitos, precisa ser a
partir de uma sociedade rica
e culta. Fazer países socialistas a partir de países pobres
não dá resultado.
FOLHA - O senhor acredita que
sofre algum tipo de preconceito?
MUJICA - É notório. Não me
encaixo no estereótipo de
presidente uruguaio, que
sempre tem sido um senhor
com cara de herói nacional,
bem vestido. Eu tenho origem meio camponesa, pouco
formal em minhas maneiras,
um homem que não usa gravata. Mas para ver Lula coloquei um terno, para dizer às
pessoas: se é preciso, vamos
colocar, não há problema.
FOLHA - A imprensa uruguaia
disse que foi a primeira vez que
vestiu um terno e, mesmo assim,
sem gravata. Verdade?
MUJICA - É um exagero, já
havia colocado algumas vezes, mas muito pouco. E estou na vanguarda, não usei
gravata porque está condenada a morrer em dez anos.
FOLHA - O senhor vive sem luxo
por opção?
MUJICA - É minha opção pessoal. Vivi muitos anos preso
[durante a ditadura], praticamente sem nada. Por quase
uma década, ficava feliz se
me dessem um colchão.
Aprendi que se pode viver
com muito pouco. Se tivesse
muitas coisas, elas me escravizariam, me obrigariam a
trabalhar para mantê-las. Aí,
em vez de ser mais livre, seria
menos livre. Para mim, liberdade é tempo gasto com o
que gosto. A austeridade é
uma forma de riqueza.
FOLHA - O senhor tem carro?
MUJICA - Tenho um besouro
[fusca] brasileiro dos anos
80. É maravilhoso, não estraga nunca.
FOLHA - Que papel o senhor
atribui ao Brasil na região?
MUJICA - O Brasil precisa liderar esse fenômeno de integração, mas quem lidera tem
a obrigação de ser generoso.
A Alemanha aprendeu isso
depois de duas guerras. Pode
contribuir para uma unidade
maior, que é do que precisam
os latino-americanos. Talvez
o Brasil não precise por causa da economia, mas precisa
politicamente.
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