São Paulo, domingo, 06 de outubro de 2002

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Sonho declarado do líder venezuelano esbarraria no discurso de centro-esquerda do petista

Analistas descartam eixo Lula-Chávez-Fidel

Cristobal Herrera - 9.set.2002/Associated Press
Fidel Castro faz uma pausa durante um discurso para professores no teatro Karl Marx, em Havan


ROGERIO WASSERMAN
DA REDAÇÃO

Em um encontro recente com trabalhadores em Caracas, o presidente Hugo Chávez manifestou sua expectativa em relação à possível eleição de Lula para a Presidência do Brasil: "A nova revolução bolivariana nascerá, como a de Simón Bolívar, na Venezuela. Porém em vez de transitar depois por Colômbia, Peru e Bolívia, percorrerá toda a região a partir de Brasília".
O desejo de Chávez de formar esse "eixo de esquerda" com o Brasil, tendo ainda Cuba num dos vértices, parece uma possibilidade cada vez mais remota, a julgar pelo afastamento recente -ao menos no discurso- entre as posições de Lula e as do venezuelano e do ditador Fidel Castro.
"Um eventual governo Lula seria como os demais governos de centro-esquerda da região, que têm muito pouco a ver com as realidades de Chávez na Venezuela e de Fidel em Cuba", afirma o brasilianista Albert Fishlow, do Centro de Estudos Brasileiros da Universidade Columbia, de Nova York.
"Apesar de Lula ter viajado a Cuba no passado para reuniões com Fidel e de ter viajado também à Venezuela, não vejo essa questão dominando hoje a estratégia do PT", afirma.
"Lula é um dos poucos líderes da região que apóiam abertamente Chávez neste momento complexo da Venezuela. Mas sua condição é completamente diferente da de Chávez", considera o analista político venezuelano Luis Vicente León, diretor do instituto de pesquisas Datanálisis.
"Diferentemente de Chávez, Lula não é um recém-chegado à política. Lula está muito mais próximo dos demais países com governos de centro-esquerda da região, como o Chile, do que do radicalismo de Chávez", diz.
Para a analista Isabel Bacalao Römer, professora da Escola Superior de Guerra Naval, o futuro das relações entre os países deverá ser dado pela postura que tenha Lula caso chegue à Presidência: "Não creio que sua história passada seja determinante nesse caso".
"Chávez naturalmente vê uma eventual eleição de Lula como a prova do avanço de um processo de esquerdização da região, para a formação de um bloco antiglobalização, antimercados e anti-EUA", considera Römer.
Para os analistas, porém, um eventual fortalecimento das esquerdas latino-americanas proporcionado no caso de Lula ser eleito presidente não deve ajudar Chávez, que enfrenta graves problemas políticos internos.
"A situação interna da Venezuela tem um dinamismo próprio que não deve ser afetado pela eventual eleição de Lula", avalia Isabel Bacalao. "Acho que poderia até ocorrer o inverso, com um efeito psicológico sobre a oposição venezuelana, que intensificaria sua ação baseada no temor de que um governo Lula fortalecesse ainda mais Chávez", diz.
Ao contrário do que acontece com a TV estatal venezuelana, que vem fazendo uma cobertura extensa das eleições brasileiras, com destaque para Lula, em Cuba os órgãos de mídia, controlados pelo Estado, vêm dedicando pouco espaço ao tema.
"Estamos surpreendidos com a falta de informações aqui em Cuba sobre a eleição no Brasil, porque seria de se esperar que Fidel Castro quisesse divulgar o bom momento de Lula", disse à Folha o jornalista dissidente Rafael Ferro Salas, diretor da Fundação Democrática Cubana Melinda Gates.
Para Ferro, "se Lula continuar sendo o mesmo que ia a Cuba para sentar com Fidel para conversar", o ditador pode vislumbrar alguma aliança estratégica que o ajude a se manter no poder.
"O Brasil poderia tomar a posição da Venezuela nas relações com Cuba", diz. Em nome da "amizade" com Fidel, Chávez garantiu o fornecimento de petróleo a preços abaixo do mercado para Cuba. "Fidel Castro é audaz e inteligente, sabe que só teria a ganhar com uma relação próxima ao Brasil, cuja economia é a maior do continente", afirma.



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