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IRAQUE
Apesar de ter investido dinheiro e esforços, Washington não conseguiu estabelecer alternativa confiável ao ditador
EUA ainda buscam substituto de Saddam
IGOR GIELOW
COORDENADOR DA AGÊNCIA FOLHA
Enquanto o mundo pergunta se,
quando e como os EUA atacarão
o Iraque, cresce a importância de
uma questão tão ou mais relevante: quem dirigirá o país se Saddam
Hussein for removido do poder?
A resposta não é simples. Mesmo gastando oficialmente US$
100 milhões em ajuda a grupos de
oposição desde 1998, os EUA não
conseguiram estabelecer uma alternativa confiável ao ditador.
Confiável, é bom deixar claro,
no conceito hegemônico americano: um governo aliado do Ocidente, que facilite a exploração do
potencial petrolífero iraquiano e
que não seja um fator de desestabilização para os países vizinhos.
O principal corpo opositor ao
regime é o CNI (Congresso Nacional Iraquiano), que reúne dezenas de grupos que se animaram
com a fraqueza do líder iraquiano
após a Guerra do Golfo (1991).
Exilado em Londres após a retomada de controle por Saddam, o
CNI é visto com reservas.
Seu líder, o milionário xiita Ahmad Chalabi, é considerado por
alguns um visionário, mas por várias pessoas uma figura autoritária. O grupo, porém, concentra
boa parte de uma eventual elite
política a substituir a chefia da burocracia estatal, hoje nas mãos do
partido Baath, de Saddam.
""Estamos prontos para estabelecer um regime democrático, que
reúna o povo do Iraque e garanta
sua unicidade territorial", disse,
por telefone, Faisal Quraish, do
escritório do CNI em Londres.
Há um consenso, entre especialistas consultados, de que é fundamental a participação de oficiais
no exílio e desertores do Exército
de Saddam para governar o país.
O nome do general Fawzi al
Shamari, do Movimento de Oficiais do Iraque, baseado em Washington, é lembrado por seu bom
trânsito no Exército. Exilado desde 1986, pesa contra ele o fato de
ter admitido o uso de armas químicas na guerra Irã-Iraque.
Outro ""celeiro" a ser explorado
é o Acordo Nacional Iraquiano,
uma entidade que conta com cerca de mil ex-militares e membros
dos serviços de segurança que fugiram de Saddam após uma violenta repressão em 1995-6.
Outro ponto nevrálgico diz respeito aos curdos. Ruidosa minoria no país, com 19% dos 23 milhões de habitantes, os curdos estão divididos em dois partidos: a
União Patriótica do Curdistão e o
Partido Democrático do Curdistão, que fazem parte do CNI, mas
têm linhas autônomas. Ambos
advogam a criação do Curdistão,
que reuniria sua população e os
outros curdos espalhados por Irã,
Turquia e Síria. Maior povo sem
país do mundo, com 25 milhões
de pessoas, os curdos alimentam
um nacionalismo forte.
Aí está o problema para os EUA:
se fomentarem demais a causa
curda, terão de tocar no tema do
Estado próprio. E isso desagrada à
Turquia, que combate a guerrilha
curda há décadas e é estratégica
para os interesses americanos na
região. Só na base de Incirlik há
1.700 soldados dos EUA e aviões
de ataque usados no Iraque.
Desde a Guerra do Golfo, americanos e britânicos operam a favor dos curdos iraquianos. A zona
de exclusão aérea ao norte do país
deu autonomia total para a etnia.
""Com nosso novo acordo, estamos prontos para ajudar os
EUA", afirmou, por e-mail, o
Centro de Imprensa do Partido
Democrático do Curdistão em
Ancara (Turquia). Nesse acordo,
os dois partidos concordaram em
unificar suas reivindicações, rascunhar uma Constituição e parar
de brigar entre si.
Um detalhe sensível é que eles
querem, como capital, Kirkuk
-centro petrolífero do norte do
país. Isso não seria aceito por um
novo governo em Bagdá, em especial se estiver negociando com
empresas petrolíferas dos EUA.
O modelo libanês
A natureza desse eventual novo
governo também é um nó político. Uma idéia interessante é defendida pelo diretor-assistente do
Centro de Estudos Internacionais
da Universidade de Cambridge,
Yezid Sayigh. Ele crê ser possível
elaborar um sistema de governo
em linhas etnoconfessionais em
linhas semelhantes à implantada
para acabar com a guerra civil libanesa (1975-90) -o acordo de
Taifa dividiu o poder entre cristãos, muçulmanos sunitas e xiitas.
Do caldeirão iraquiano, argumenta Sayigh, é possível pescar
três grupos representativos das
forças políticas do país. São eles os
curdos, os árabes sunitas e os árabes xiitas -este último o maior
grupo, compondo mais da metade da população e historicamente
dominado pela minoria sunita,
que controla as Forças Armadas.
""Há várias tribos e partidos,
mas acredito que os EUA possam
impor um sistema transitório de
poder, como numa assembléia
nacional, dividindo o país nessas
linhas. A própria repressão de
Saddam ajuda a criar essas linhas
divisórias", disse Sayigh.
Isso poderia atenuar as reivindicações curdas e evitar que os xiitas
tomem o rumo da pátria-mãe de
sua seita religiosa -o vizinho Irã.
Esse é um pesadelo para os EUA,
uma vez que Teerã também é visto como inimigo. Como os xiitas
estão no sul rico em petróleo, uma
eventual aliança com os iranianos
poderia concentrar poder econômico na mão dos aiatolás, algo indesejável a Washington.
Como disse o ""New York Times", o governo Bush não está
certo de que o financiamento de
grupos anti-Saddam esteja dando
resultados. Senadores mostram
irritação com o que consideraram
falta de informações da CIA sobre
as consequências de um ataque.
Isso reforça o temor de que as
mentes militares estejam muito à
frente das mentes políticas. E o resultado desse descompasso pode
ser uma desestabilização regional
tão grande que haverá gente perguntando se não teria sido melhor
apenas ""enquadrar" Saddam.
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