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São Paulo, segunda-feira, 06 de outubro de 2003

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Presença da Al Qaeda é recente e modesta na região

MÁRCIO SENNE DE MORAES
DA REDAÇÃO

A rede terrorista Al Qaeda tem uma participação modesta no conflito no Cáucaso, mas a causa tchetchena é bem anterior a ela, não tendo, em princípio, uma verdadeira ligação com o terrorismo internacional, de acordo com analistas ouvidos pela Folha.
Desde o 11 de Setembro, o presidente Vladimir Putin vem associando os guerrilheiros tchetchenos a terroristas internacionais, o que lhe proporcionou mais margem de manobra para tentar aniquilar o levante manu militari.
"Não há um número elevado de membros da Al Qaeda na Tchetchênia, talvez apenas algumas dezenas. Existe, entretanto, uma ligação difusa entre a causa tchetchena e a rede terrorista, uma espécie de comunhão de objetivos: derrotar Moscou e fundar um Estado muçulmano independente", apontou Mark Kramer, da Universidade Harvard (EUA).
Contudo, como salientou o especialista em questões russas, trata-se de algo que não existia durante o primeiro conflito recente na república secessionista. "A situação era diferente no princípio da resistência tchetchena, entre 1994 e 1996. À época, os grupos que lutavam contra a Rússia tinham pouca ligação com o extremismo islâmico", disse Kramer.
De acordo com Andrew Bennett, da Universidade de Georgetown, a mistura de objetivos políticos com o radicalismo religioso se deu gradualmente. "Trata-se de mais um efeito nefasto da ação russa na Tchetchênia. Moscou radicalizou primeiro ao enviar milhares de soldados para pôr fim à insurgência", explicou Bennett.
O componente religioso começou a ganhar força na região durante o intervalo entre as duas guerra recentes, entre agosto de 1996 e agosto de 1999. E, segundo Kramer, os líderes políticos tchetchenos também são responsáveis por esse fenômeno.
"Eles não conseguiram criar condições para que a Tchetchênia se tornasse um local habitável nesses três anos, não souberam aproveitar essa oportunidade. Por outro lado, a falta de vontade russa de ajudar financeiramente na reconstrução das cidades tchetchenas e de dar apoio aos legítimos líderes locais complicou bastante a situação", avaliou Kramer.
Com isso, houve uma combinação que abriu caminho para a radicalização do conflito, e alguns grupos optaram pelo extremismo islâmico. Em seguida, pessoas ligadas à Al Qaeda passaram a operar no Cáucaso. "Logicamente, a rede percebeu a oportunidade que se apresentava e aproveitou-a", afirmou Kramer.
O presidente eleito pelos tchetchenos em 1997, Aslan Maskhadov, que não é reconhecido por Moscou, nega ter envolvimento com o terrorismo internacional ou com a Al Qaeda, mas, segundo Kramer, ele já teve contato com grupos ligados à rede. "Por menor que seja, a ligação dos insurretos com terroristas é preocupante, visto que tende a macular o que era uma luta legítima dos tchetchenos contra a ocupação russa."
Por conta de tudo isso, Putin descarta a possibilidade de negociar com os rebeldes, embora a população russa já comece a cansar-se do conflito e a dar-se conta de que uma solução negociada é necessária. Afinal, tendo ou não um elo com uma rede internacional, os guerrilheiros fazem uso do terrorismo para chamar a atenção mundial para sua causa.
A Rússia, porém, recusa-se a negociar, tratando todos os tchetchenos como terroristas e colocando pessoas sem legitimidade no poder na república separatista, para consolidar seu controle sobre ela. Assim, o Ocidente deve pressionar Putin a encontrar parceiros para negociar, pois Maskhadov não é visto por Moscou como um interlocutor palatável.
Além disso, o pretexto de que a independência ou uma maior autonomia da Tchetchênia poderia provocar um efeito dominó na região é refutado pela maioria dos especialistas. "A Tchetchênia é um caso único. Os habitantes do vizinho Daguestão não têm interesse em tornar-se independentes, preferem que os russos os protejam de militantes islâmicos tchetchenos ou de outras regiões", analisou Kramer.
"Outras repúblicas russas já conseguiram resolver o problema da autonomia de modo pacífico. O Tatarstão, também de maioria muçulmana, é um ótimo exemplo, pois prosperou dentro da federação desde o colapso da União Soviética, em 1991", indicou James Critchlow, autor de "Nationalism in Uzbekistan" (nacionalismo no Uzbequistão).


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