São Paulo, quinta-feira, 06 de novembro de 2008

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OBAMA PRESIDENTE

Vitória de Barack Obama interrompe a hegemonia conservadora nos EUA

Crise econômica impulsiona guinada que elegeu democrata progressista e pragmático

Presidente eleito promete ao mundo uma "nova aurora de liderança americana"

Chris McGrath/France Presse
Barack Obama saúda a multidão que foi comemorar sua vitória no Grant Park, em Chicago; ele disse que sua eleição é uma prova de que a democracia nos Estados Unidos continua viva

SÉRGIO DÁVILA
ENVIADO ESPECIAL A CHICAGO

O eixo dos EUA mudou.
A pior crise econômica em décadas, aliada a uma nova coalizão de eleitores inflada pela maior mudança demográfica na história recente, elegeu anteontem o democrata Barack Obama o 44º presidente do país, o primeiro negro a alcançar o cargo. Com isso, abalou uma era de hegemonia conservadora consolidada a partir da eleição do republicano Ronald Reagan, em 1980.
Progressista pragmático, o presidente eleito de 47 anos tem o registro de votação mais à esquerda do Senado, mas foi forjado na política tradicional de Chicago. Sua eleição quebra a regra não escrita de que um democrata só é eleito presidente se tiver sido governador e for sulista. Primeiro presidente do norte liberal desde John F. Kennedy, apresenta-se como conciliador e promete um governo de centro, um meio termo entre o que fez no Congresso e o que pregou na campanha.
Em seu discurso de vitória, Obama retomou o tema da colaboração entre os partidos ao citar a fala de 2004 que o lançou no cenário político nacional. "Vamos resistir à tentação de voltar aos mesmos partidarismo, pequenez e imaturidade que envenenaram nossa política por tanto tempo", disse o presidente eleito anteontem.
"Os presidentes fazem campanha em preto e branco, mas geralmente governam em cinza", resume Richard Haass, presidente do influente Council on Foreign Relations. "Obama deve juntar moderados e liberais (progressistas) numa coalizão renovada de governo de mudança", define Mark Penn, estrategista político da fracassada campanha de Hillary Clinton.
Ele herda de George W. Bush um país à beira de recessão profunda, um mercado financeiro mundial que espera por uma reforma e duas guerras em andamento, do Iraque e do Afeganistão, que drenam recursos e abalaram a imagem do país no mundo. Terá de lidar com a ascensão econômica da China e o renascimento da Rússia como potência internacional.
Seu desafio é comparado por historiadores com o que esperava o democrata Franklin Delano Roosevelt em 1932, ao ser eleito no meio da Grande Depressão com uma plataforma de rigidez orçamentária que ele transformaria depois no New Deal (novo acordo). Anteontem, ao comentar a expectativa internacional sobre seu mandato, Obama falou de uma New Dawn (nova aurora).
"Para os que estão assistindo hoje à noite de além de nossas costas (...), nossas histórias são diferentes, mas nosso destino é compartilhado, e uma nova aurora de liderança americana está ao alcance", discursou ele.
Se começa com a simpatia de grande parte do mundo, domesticamente ele terá a seu favor um Congresso em que seu partido comandará a Câmara e o Senado. Terá ainda uma expressiva votação no Colégio Eleitoral e o amparo da maioria absoluta do voto popular, um feito atingido por um democrata pela última vez em 1976, com Jimmy Carter.
"Estamos entrando numa nova era, em que as mudanças transcendem a política", disse Simon Rosenberg, da ONG jovem New Democratic Network. "Há a emergência de uma nova agenda de governo que é em essência do século 21, e Obama venceu com essa coalizão do século 21", disse.
Para o senador democrata Charles Schummer, "é uma eleição de movimento tectônico, que acontece uma vez a cada geração e redefinem a relação das pessoas com o governo".
O motor dessa vitória foi a economia, que bateu a raça, que ameaçava ser o fator oculto desta eleição, e os valores morais, que levaram George W. Bush adiante em 2004. A crise foi o tema principal para 62% dos eleitores, segundo boca-de-urna. Dos ouvidos, 92% disseram que o país está na direção errada, e 93%, que a situação econômica é ruim, ambos recordes históricos.
"A economia foi o tal telefonema às 3h da manhã de Barack Obama", resumiu Mark Penn, referindo-se ao comercial que aludia ao fato de Obama estar supostamente despreparado para atender, como presidente, a um chamado de emergência no meio da madrugada.
Ainda assim, não pode ser apequenado o fato de um filho de um queniano com uma americana do Meio-Oeste ter sido eleito presidente dos EUA, o primeiro país de maioria branca da história a escolher um negro como líder. Há 44 anos, o 44º presidente norte-americano poderia ser morto só por votar em determinadas regiões do país que agora comanda.
"Se tem alguém aí que ainda duvida que a América é o lugar em que todas as coisas são possíveis, que ainda pensa se o sonho de nossos fundadores sobreviveu ao nosso tempo, se ainda questiona o poder de nossa democracia, essa noite é sua resposta", disse Obama, no discurso de vitória. Na platéia, uma pessoa segurava um cartaz com a frase "A ajuda está a caminho", que remetia ao que mostravam as equipes de salvamento às vítimas do furacão Katrina, outro fiasco de Bush.


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