São Paulo, domingo, 06 de novembro de 2011

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CLÓVIS ROSSI

Sombras que os governos toleram


Nem o em tese poderoso G20 é capaz de pôr um freio ao "shadow banking", os bancos nas sombras

PERDIDO NO catatau retórico que são sempre os comunicados do G20, aparece o resultado talvez mais significativo da cúpula de Cannes: o pacote de regulamentação dos grandes bancos (29, nenhum brasileiro), aqueles que o jargão econômico batizou de "grande demais para quebrar".
Se quebrassem, o sistema todo viria abaixo e o preço que todos pagariam seria insuportável. Aconteceu em 2008 quando foi à breca o Lehman Brothers, o que acabou sendo a catapulta para o que o FMI chamou de "A Grande Recessão".
A alternativa à quebra era o governo entrar com o meu, o seu, o nosso dinheirinho para socorrer a banca -o que, de resto, foi feito em larga escala em 2008/09.
Agora, em tese, estão postas as regras para que a liquidação dos "bancões" se faça ordenadamente sem recorrer aos cofres públicos. Digo em tese porque há uma frase que os argentinos usam muito, de grande cinismo mas também de grande realismo, que é "hecha la ley, hecha la trampa". Ou seja, faz-se a lei e imediatamente alguém inventa como driblá-la.
O fato de o G20 ter acertado nesse ponto não invalida -ao contrário, reforça- a percepção de que os tempos da política e os tempos do mercado são incompatíveis com o bom desempenho desta. No caso dos grandes bancos, as instituições oficiais levaram três anos e trocados, desde a quebra do Lehman, para tirar da frente o fantasma de uma nova chantagem.
Em três anos -na verdade em três minutos- o sistema financeiro faz zilhões de operações que podem desestabilizar qualquer país e invalidar qualquer política econômica.
Se se aceitar o pressuposto de que os grandes bancos são mais responsáveis do que a média do setor, torna-se ainda mais dramática a leitura de outro parágrafo do comunicado final do G20. É aquele que promete "desenvolver a regulação e supervisão dos bancos na sombra" ("shadow banking", na expressão inglesa).
Qualquer governo digno desse nome teria que pôr na cadeia imediatamente qualquer atividade na sombra. Só a designação já cheira mal, já aponta para ilicitudes ou, no mínimo, para operações de alto risco.
No entanto, os líderes de todas as grandes potências do planeta não só põem no papel que aceitam as sombras como nem sequer estabelecem um prazo para desenvolver a regulação e a supervisão.
Se e quando conseguirem regular as sombras, as autoridades enfrentarão também outros cavaleiros da escuridão, designados no comunicado como "high frequency trade" e "dark liquidity".
Só o Google para você entender melhor, mas, simplificando, HFT são operações em que o investimento é mantido às vezes apenas por segundos, um mecanismo que se aciona milhares ou dezenas de milhares de vezes por dia. "Dark liquidity" merece outra "googlada" mas o nome "dark" por si só indica operações anônimas e mantidas longe do público em geral.
Trata-se, portanto, de um combate desigual em que governos e a sociedade são obrigados a operar à luz do dia e em meses, às vezes anos, enquanto uma fatia do sistema financeiro opera em nanosegundos -e, pior, na sombra.

crossi@uol.com.br

AMANHÃ EM MUNDO
Luiz Carlos Bresser-Pereira


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