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Bush insiste em nova cartada no Iraque
Envio de mais tropas visa estabilizar Bagdá para relançar projeto de "democratização", mas divide os próprios republicanos
Centro de estudos conservador influenciou plano; críticos duvidam que presidente tenha força política para implementá-lo
MARCELO NINIO
DA REDAÇÃO
Três mil soldados americanos mortos depois, George W.
Bush tenta mais uma cartada
para virar o jogo no Iraque. Nos
próximos dias, o presidente
anunciará a nova estratégia dos
EUA para estabilizar o país,
transformado em um caldeirão
de violência sectária que já matou mais de 50 mil civis.
Entre rumores e informações vazadas por integrantes do
governo nos últimos dias, o que
parece certo é que o principal
pilar da nova estratégia será o
envio de mais soldados ao Iraque, com o objetivo de reduzir a
violência nos principais redutos da insurgência, principalmente em Bagdá. Restaurada a
ordem no país, raciocinam os
proponentes da estratégia, seria possível injetar vida no anêmico projeto de democratização do Iraque.
Na opinião dos especialistas
que defendem o aumento do
contingente -iniciativa chamada nos EUA de "surge" (impulso, em tradução livre do inglês)-, para que ela dê resultado, seriam necessários no mínimo 35 mil soldados além dos
cerca de 140 mil que já estão no
país. Um número que Bush,
com a popularidade em queda,
dificilmente terá cacife político
para propor.
O "impulso" que Bush pretende dar aos EUA no Iraque
foi influenciado pela tese apresentada por dois especialistas
militares, o cientista político
Frederik Kagan e o general da
reserva Jack Keane, em um artigo publicado pelo American
Enterprise Institute, centro de
estudos conservador de Washington. A chave do sucesso, dizem, está em redirecionar a
missão americana no Iraque.
"Em vez de preparar a transição para o controle iraquiano, a
missão deveria ser estabelecer
a segurança da população iraquiana", recomendam. Segundo eles, o prazo mínimo para
cumprir a missão é de 18 meses.
"Qualquer outra opção provavelmente fracassará."
Ao inclinar-se pelo aumento
de tropas no Iraque, Bush nada
contra uma corrente que inclui,
além da oposição democrata,
um número crescente de aliados republicanos, entre eles James Baker, ex-secretário de Estado e amigo de sua família.
Em dezembro, uma comissão bipartidária liderada por
Baker e pelo ex-deputado democrata Lee Hamilton defendeu, entre 79 recomendações,
que os EUA começassem a
transferir poderes para as autoridades iraquianas, a fim de
preparar a retirada gradual de
suas tropas do país.
Chamava a atenção, além
disso, para a importância de
implementar um plano político
que incluísse negociações com
países com influência no Iraque, como o inimigo Irã.
"A presença dos EUA nos faz
fingir que o Estado iraquiano
não entrou em colapso", disse à
Folha, por telefone, a especialista em Oriente Médio Marina
Ottaway, que fez parte da equipe que elaborou o relatório Baker-Hamilton. "Mas a verdade
é que o Iraque não possui um
governo capaz de controlar o
país. Isso significa que todos os
países vizinhos estão envolvidos, de um modo ou de outro."
A ênfase exagerada no aspecto militar é um dos alvos dos
que criticam a nova doutrina de
Bush para o Iraque. Ela negligencia o fato, afirmam, de que o
principal problema do país hoje
é a violência entre iraquianos.
"Os EUA perderam a capacidade de determinar o destino
do Iraque. Isso caberá aos iraquianos", disse à Folha Andrew Bacevich, especialista em
história militar da Universidade de Boston. Para ele, o projeto americano de instalar uma
democracia estável só poderá
ser alcançado, na melhor das
hipóteses, pela metade. "Meu
palpite é que o desfecho não será democrático. Pode levar à
estabilidade, mas somente
após um período de violência."
O ambiente político em Washington certamente será um
fator de peso nos próximos meses. A oposição democrata, que
assumiu o controle das duas
Casas do Congresso na última
quinta-feira, expressa oposição
ao envio de mais soldados para
o Iraque, mas gagueja ao sugerir alternativas.
"Os democratas estão divididos entre alguns que defendem
a retirada imediata e uma
maioria que apóia as propostas
do estudo Baker-Hamilton",
disse por e-mail à Folha o professor Joseph Nye, da Universidade Harvard. Nye vê limites
na ação do Legislativo. "Os democratas podem pressionar o
governo, mas o Congresso
sempre reluta em cortar verbas
enquanto os soldados estão
correndo risco no exterior."
Diante do desgaste imposto
pela guerra ao Partido Republicano, que teme reflexos negativos na campanha presidencial
de 2008, Bush ainda corre o
risco de enfrentar o "fogo amigo". Apesar de contar com o
apoio do senador John
McCain, um dos favoritos à
candidatura republicana à sucessão de Bush, o envio de mais
soldados ao Iraque sofre oposição cada vez maior no partido.
"É difícil prever o impacto
que o novo Congresso terá.
Mas preste atenção nos republicanos. Mais e mais republicanos estão se voltando contra
a guerra", diz Bacevich.
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