São Paulo, domingo, 07 de janeiro de 2007

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Bush insiste em nova cartada no Iraque

Envio de mais tropas visa estabilizar Bagdá para relançar projeto de "democratização", mas divide os próprios republicanos

Centro de estudos conservador influenciou plano; críticos duvidam que presidente tenha força política para implementá-lo

MARCELO NINIO
DA REDAÇÃO

Três mil soldados americanos mortos depois, George W. Bush tenta mais uma cartada para virar o jogo no Iraque. Nos próximos dias, o presidente anunciará a nova estratégia dos EUA para estabilizar o país, transformado em um caldeirão de violência sectária que já matou mais de 50 mil civis.
Entre rumores e informações vazadas por integrantes do governo nos últimos dias, o que parece certo é que o principal pilar da nova estratégia será o envio de mais soldados ao Iraque, com o objetivo de reduzir a violência nos principais redutos da insurgência, principalmente em Bagdá. Restaurada a ordem no país, raciocinam os proponentes da estratégia, seria possível injetar vida no anêmico projeto de democratização do Iraque.
Na opinião dos especialistas que defendem o aumento do contingente -iniciativa chamada nos EUA de "surge" (impulso, em tradução livre do inglês)-, para que ela dê resultado, seriam necessários no mínimo 35 mil soldados além dos cerca de 140 mil que já estão no país. Um número que Bush, com a popularidade em queda, dificilmente terá cacife político para propor.
O "impulso" que Bush pretende dar aos EUA no Iraque foi influenciado pela tese apresentada por dois especialistas militares, o cientista político Frederik Kagan e o general da reserva Jack Keane, em um artigo publicado pelo American Enterprise Institute, centro de estudos conservador de Washington. A chave do sucesso, dizem, está em redirecionar a missão americana no Iraque.
"Em vez de preparar a transição para o controle iraquiano, a missão deveria ser estabelecer a segurança da população iraquiana", recomendam. Segundo eles, o prazo mínimo para cumprir a missão é de 18 meses. "Qualquer outra opção provavelmente fracassará."
Ao inclinar-se pelo aumento de tropas no Iraque, Bush nada contra uma corrente que inclui, além da oposição democrata, um número crescente de aliados republicanos, entre eles James Baker, ex-secretário de Estado e amigo de sua família.
Em dezembro, uma comissão bipartidária liderada por Baker e pelo ex-deputado democrata Lee Hamilton defendeu, entre 79 recomendações, que os EUA começassem a transferir poderes para as autoridades iraquianas, a fim de preparar a retirada gradual de suas tropas do país.
Chamava a atenção, além disso, para a importância de implementar um plano político que incluísse negociações com países com influência no Iraque, como o inimigo Irã.
"A presença dos EUA nos faz fingir que o Estado iraquiano não entrou em colapso", disse à Folha, por telefone, a especialista em Oriente Médio Marina Ottaway, que fez parte da equipe que elaborou o relatório Baker-Hamilton. "Mas a verdade é que o Iraque não possui um governo capaz de controlar o país. Isso significa que todos os países vizinhos estão envolvidos, de um modo ou de outro."
A ênfase exagerada no aspecto militar é um dos alvos dos que criticam a nova doutrina de Bush para o Iraque. Ela negligencia o fato, afirmam, de que o principal problema do país hoje é a violência entre iraquianos.
"Os EUA perderam a capacidade de determinar o destino do Iraque. Isso caberá aos iraquianos", disse à Folha Andrew Bacevich, especialista em história militar da Universidade de Boston. Para ele, o projeto americano de instalar uma democracia estável só poderá ser alcançado, na melhor das hipóteses, pela metade. "Meu palpite é que o desfecho não será democrático. Pode levar à estabilidade, mas somente após um período de violência."
O ambiente político em Washington certamente será um fator de peso nos próximos meses. A oposição democrata, que assumiu o controle das duas Casas do Congresso na última quinta-feira, expressa oposição ao envio de mais soldados para o Iraque, mas gagueja ao sugerir alternativas.
"Os democratas estão divididos entre alguns que defendem a retirada imediata e uma maioria que apóia as propostas do estudo Baker-Hamilton", disse por e-mail à Folha o professor Joseph Nye, da Universidade Harvard. Nye vê limites na ação do Legislativo. "Os democratas podem pressionar o governo, mas o Congresso sempre reluta em cortar verbas enquanto os soldados estão correndo risco no exterior."
Diante do desgaste imposto pela guerra ao Partido Republicano, que teme reflexos negativos na campanha presidencial de 2008, Bush ainda corre o risco de enfrentar o "fogo amigo". Apesar de contar com o apoio do senador John McCain, um dos favoritos à candidatura republicana à sucessão de Bush, o envio de mais soldados ao Iraque sofre oposição cada vez maior no partido.
"É difícil prever o impacto que o novo Congresso terá. Mas preste atenção nos republicanos. Mais e mais republicanos estão se voltando contra a guerra", diz Bacevich.


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