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ARTIGO
Metáfora terrível para os EUA
Na hesitação ante o que mostrar das cenas do enforcamento de Saddam, pena de morte era tema oculto que os meios de comunicação não chegaram a citar
ALEXANDER KEYSSAR
ESPECIAL PARA A FOLHA
A execução de Saddam Hussein, no fim de semana passado,
teve vários aspectos perturbadores. Entre eles está a posição
estranha assumida por boa parte da imprensa americana em
relação à morte do ex-ditador
por enforcamento. Após a notícia inicial de que Saddam tinha
de fato sido executado, as redes
de TV dedicadas ao jornalismo
se concentraram na notícia,
com seus repórteres correndo
para descobrir detalhes sobre a
própria execução e as horas que
a antecederam. A CNN (e também a Fox) ficaram no ar por
várias horas, oferecendo pedacinhos de informação entremeados com imagens de arquivo do regime de Saddam Hussein e da invasão americana.
Um clima de suspense foi
conferido à cobertura, apesar
de o desenlace já ter acontecido, pela espera para ver que novas imagens da execução seriam divulgadas. A CNN informou seu público que o governo
iraquiano havia fotografado e
filmado a execução, mas não ficou claro se seriam divulgadas
imagens. A rede também assegurou a seus espectadores que
não seria mostrado nada demasiado explícito ou perturbador
e que seus executivos iriam
examinar cuidadosamente
quaisquer imagens que chegassem, para avaliar o que seria
apropriado exibir.
A mensagem implícita era
que seria errado ou impróprio,
de alguma maneira, que o público espectador visse como é
de fato uma execução por enforcamento.
E, quando as fotos e imagens
em vídeo de fato foram disponibilizadas, a grande imprensa
(diferentemente da internet)
foi muito parcimoniosa em termos do que publicou ou exibiu.
O público americano foi protegido do espetáculo macabro de
um homem algemado, com
uma corda grossa em volta do
pescoço, mergulhando em um
alçapão.
Mas não houve comentários
ou reflexões sobre por que seria
"impróprio" ou perturbador ou
errado exibir as imagens e fotos. Tampouco houve comentários sobre a própria pena de
morte, embora seja certo que o
desconforto provocado pelas
imagens explícitas se deveu em
parte ao incômodo causado pelo fato brutal de um Estado estar pondo fim à vida de um homem, mesmo que fosse a de um
homem tão odioso e criminoso
quanto Saddam.
Tampouco foi mencionado o
fato de que a maioria dos países
civilizados -uma comunidade
da qual os EUA reivindicam a
liderança- já proibiu a pena de
morte, mesmo para homens
que cometeram crimes odiosos
e vis. Em última análise, a mensagem pareceu ser que não
houve nada de criticável no que
acabara de acontecer em Bagdá; que o impróprio seria assistir àquilo acontecer, assistir de
fato a um ato de violência do
Estado que o governo dos EUA
ajudara a fazer acontecer.
Nisso talvez resida uma metáfora terrível para a política e a
população dos EUA: aquilo que
provocamos no Iraque é insuportável de se assistir, e, por isso, só nos permitimos assistir a
realidades editadas que não sejam perturbadoras demais.
O historiador ALEXANDER KEYSSAR, autor de
"The Right to Vote, The Contested History of
Democracy in the United States", é professor da
Escola Kennedy de Governo da Universidade
Harvard
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