São Paulo, quarta-feira, 07 de janeiro de 2009

Texto Anterior | Próximo Texto | Índice

artigo

Israel querer sobreviver é proporcional

ANDRÉ GLUCKSMANN

Diante de um conflito, as opiniões se dividem entre os incondicionais, as pessoas que decidiram de uma vez por todas quem está certo e quem está errado, e os circunspectos, as pessoas que julgam cada ação como oportuna ou inoportuna de acordo com as circunstâncias.
O confronto em Gaza deixa antever uma ponta de esperança, apesar das imagens de choque. O fanatismo dos incondicionais parece ser minoritário. A discussão entre os israelenses (era este o momento de agir? até que ponto?) se desenrola como é comum em uma democracia. O que surpreende é que um debate semelhante parece começar entre os palestinos e aqueles que os apoiam, a ponto de Mahmoud Abbas, o presidente da Autoridade Palestina, ter ousado imputar ao Hamas, com a ruptura da trégua, a responsabilidade inicial pelo sofrimento dos civis de Gaza.
As reações da opinião pública mundial -a mídia, os diplomatas, as autoridades- é que infelizmente parecem defasadas. É importante enfatizar a palavra que mais se ouve entre os adeptos de uma incondicionalidade de terceiro tipo, os que condenam a reação de Israel como "desproporcional". A condenação a priori do excesso judaico regula o fluxo das reflexões.
Consulte o dicionário: "desproporcional é aquilo que está fora de proporção" -seja porque não existe uma proporção, seja porque esta se vê rompida.
É a segunda acepção que é utilizada para fustigar os israelenses. Subentende-se que existe um estado normal do conflito entre o Hamas e Israel e que a belicosidade israelense o desequilibra, como se o conflito não fosse, como todos os conflitos sérios, desproporcional desde a origem.
Qual seria a proporção justa? O Exército israelense não deveria usar sua supremacia técnica e se limitar a empregar as mesmas armas do Hamas - a guerra com foguetes imprecisos, ou a guerra dos atentados suicidas, da escolha deliberada da população civil como alvo? Ou Israel deveria simplesmente esperar com toda paciência até que o Hamas, graças à assistência do Irã e da Síria, pudesse "equilibrar" seu poder de fogo?
A menos que se deva levar em conta não apenas os meios militares, mas os objetivos almejados. Porque o Hamas, ao contrário da Autoridade Palestina, se obstina em não reconhecer o direito do Estado judaico a existir e sonha com a aniquilação de seus cidadãos, será que Israel deveria imitá-lo em seu radicalismo e promover uma limpeza étnica?
Não é possível trabalhar pela paz no Oriente Médio se não escaparmos às tentações da incondicionalidade, que perturbam tanto os fanáticos extremistas quanto as almas angelicais que concebem uma "proporção" ilusória.
No Oriente Médio, a luta não gira em torno de fazer respeitar a regra do jogo, mas sim de estabelecê-la.
É possível discutir a oportunidade de iniciativas militares ou políticas sem com isso supor que o problema estará resolvido com antecedência pela mão invisível da boa consciência mundial. Querer sobreviver não é desproporcional.


ANDRÉ GLUCKSMANN é filósofo. Este artigo foi publicano no "Monde"


Texto Anterior: Mãe palestina em Israel fica entre conforto e sofrimento
Próximo Texto: Com arsenal vasto, desafio israelense é evitar civis
Índice


Copyright Empresa Folha da Manhã S/A. Todos os direitos reservados. É proibida a reprodução do conteúdo desta página em qualquer meio de comunicação, eletrônico ou impresso, sem autorização escrita da Folhapress.