São Paulo, domingo, 07 de fevereiro de 2010

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"Consenso de Pequim" brilha na crise e desperta temores

Recuperação chinesa exibe aspectos creditados a comando autoritário comunista

Criador de conceito diz que fórmula não é replicável, mas pode inspirar países a tomar rota distinta da democracia representativa ocidental

Ng Han Guan/Associated Press
Chinês ante símbolo do "Ano do Tigre", que começa no dia 14

RAUL JUSTE LORES
DE PEQUIM

O enfraquecimento do presidente americano Barack Obama em apenas um ano de governo e as dificuldades de europeus, americanos e japoneses de reagir à crise econômica têm reforçado uma pergunta que deixa perplexos países ricos e em desenvolvimento: será que o modelo chinês é melhor?
O regime autoritário da China rapidamente lançou um pacote de estímulo que evitou a explosão do desemprego e fez que o PIB do país crescesse 8,7% em 2009, enquanto boa parte do mundo se arrastou. Em 30 anos, a renda per capita cresceu 12 vezes, e o PIB, 10% ao ano em média.
O modelo chinês foi apelidado de "Consenso de Pequim", marca cada vez mais usada em contraponto ao neoliberal "Consenso de Washington", que pregava um receituário de livre mercado no início dos anos 90, em um sistema que se encontra em crise.
O jornalista e escritor americano Thomas Friedman o descreve como um híbrido de capitalismo comunista-confuciano sob um partido único, com bastante interferência estatal, mercados de capital controlados e um processo de tomada de decisões autoritário que "é capaz de tomar decisões difíceis e de longo prazo, sem ter que dar atenção diária às pesquisas de opinião pública".
Ele acrescenta que "os princípios de abertura econômica e comercial são mais bem praticados pelos chineses do que pelos americanos" e que "analistas já começam a se preocupar com a instabilidade política" de Washington.

Modelo próprio
O termo "Consenso de Pequim" foi criado em 2004 pelo consultor americano Joshua Cooper Ramo, diretor-gerente da consultoria do ex-secretário de Estado dos EUA Henry Kissinger. Ramo descreve o sucesso do modelo em três princípios: compromisso com inovação e experimentação; busca de melhorias na qualidade de vida com "gerenciamento do caos" e independentemente da renda per capita; autodeterminação e soberania.
Segundo Ramo, o Consenso de Washington era um bom "manual de atração de investimentos feito por e para banqueiros", enquanto o de Pequim não ignora a geopolítica e quer "melhorar a sociedade". Implica respostas rápidas a novos problemas, vários laboratórios de políticas em regiões diferentes do país e combina interferência com "laissez-faire".
O consultor admite que, dado o tamanho da China, com 1,4 bilhão de habitantes, seu modelo é único e dificilmente replicável. Aponta, porém, que outros países em desenvolvimento podem ser inspirados "a tentar seus próprios caminhos de desenvolvimento, sem soluções uniformes para problemas diferentes".
O ensaio de Ramo, com 60 páginas, foi desacreditado à época da publicação. O autor estava longe de ser um especialista em China, e seu escritório tem diversos interesses econômicos no país. Agora, o termo já não pertence mais a ele -e virou sinônimo de capitalismo autoritário de resultados.


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